Os
discípulos caminham com JesuS. O caminho
é o lugar teológico da manifestação de Deus, mas também é o lugar onde se
aprende a ser discípulo do Reino. A certa altura do caminho Jesus quis propor
aos discípulos uma lição sobre “orgulho” e “arrogância”, um problema sério que
Ele viu entre aqueles que se diziam “pessoas de igreja”.
No
caminho, Jesus tem ajudado o discípulo a refletir: como viver melhor a relação
com Deus? Como orar/rezar? Como viver na vida eclesial? Como testemunhar Deus?
Como viver em sociedade? Essas questões e muitas outras são iluminadas pelos
textos da Liturgia da Palavra proposto para este domingo (Eclo 35,15b-17.
20-22a/2Tm 4, 6-8. 16-18/ Lc 18, 9-14).
Em
primeiro lugar, é preciso dizer que Jesus nos apresentou o amor de Deus que não
é atraído pelos méritos das pessoas, mas simplesmente porque o seu amor é
gratuito. Deus nunca se importou com as aparências (cf. Atos 10, 2) nem com o
esteticismo ou modinha religiosa (cf. Mt 23, 5), mas simplesmente a vida do
povo (cf. Hb 2,16). Quando oramos é com este Deus que nos relacionamos.
O
tema da oração, mas uma vez, retorna a Liturgia da Palavra. E dessa vez, o
evangelho nos ensina que a oração confiante e persistente deve está desprovida
de presunção, mas acompanhada de humildade (Lc 18, 9-14), isto é, simplicidade,
pequenez e descentralização de si para “compreender uma vida maior do que o
próprio eu”.
Domingo
passado dizíamos que quando ajoelhamos para rezar/orar fazemos isto no chão da
história. Hoje, dizemos que quando oramos levamos a nossa maneira de ser
conosco. Muito mais do que a repetição de muitas palavras, Deus percebe a
maneira como nos apresentamos diante Dele (cf. Salmo 8. 44(45). SL 138 (139),
6. Sl 149(148, 4. Lc 1, 44-55. Mt 8, 5-13).
A
parábola de hoje é uma alfinetada aos que estão inchados de presunção se
considerando justo demasiadamente e desprezando os outros (Lc 18, 9). É A
MISERICÓRDIA DESMONTANDO A ARROGÂNCIA.
As
formas de oração do fariseu e do publicano se tornaram motivo de reflexão, para
compreendermos aquilo que agrada a Deus e qualifica a vida de um cristão. De um
lado, o fariseu centrado em si. Ele transforma a sua oração em uma grande
demagogia: fala muito, acusa muito, só os outros são errados. É um oportunista
que aproveita a fragilidade dos outros (v.v. 11-12). Do outro lado, o publicano
que usa poucas palavras, tem uma visão modesta de si, não tem olhar altivo,
pede ajuda e perdão (v.v. 13-14).
Quem
eram os fariseus? Era um grupo de leigos com bastante influência entre o povo.
Em hebraico e aramaico o termo fariseu significa= os separados. Possivelmente
eles recebem este nome por sua tendência a se afastarem da vida social a fim de
evitar o povo sem instrução da Lei, contato com toda a impureza, formando uma
comunidade de vida separada com o proposito de viver a radicalidade da Lei de
Moisés.
O
historiador Flávio Josefo diz que, no tempo do Rei Herodes, eles eram uma
comunidade com 6 mil membros. Eram descendentes dos “hassidim”. Defensores
intransigentes da Lei, pois acreditavam que se eles cumprissem fielmente a Lei
o Messias chegaria para trazer a libertação.
Levavam
um estilo de vida com muitos escrúpulos: pagavam o dizimo das coisas minuciosas
com muita fidelidade, seguiam muitos rituais de limpeza (cf. Mc 7, 3ss. Mt
23,25ss. Lc 11,39ss), se enfeitavam de religião para serem vistos (cf. Mt 23,
3ss), exploravam os vulneráveis e para disfarçar faziam longas orações (cf. Mt
23, 15), jejuavam duas vezes por semana
(cf. Lc 18, 12). No Talmude, eles rezam uma oração parecida com o texto de
hoje: “Agradeço-te, Senhor, meu Deus, porque me fizestes participe daqueles que
sentam na casa do ensino e não daqueles que se sentam nas esquinas das ruas;
pois eu saio cedo, e eles saem cedo; eu saio cedo para encontrar-me com as
palavras da Lei, e eles saem cedo motivados por coisas vãs. Eu me esforço e
recebo recompensa, e eles se esforçam e não recebem recompensa. Eu corro, e
eles correm; eu corro rumo à vida do mundo futuro, e eles correm para a fossa
da ruína” (Talmude Babil., Berakot 28b).
Essa
ideia de “piedosos cumpridores da lei” contribuía para criar uma sensação de
que o povo era pecador, indignos, desprezíveis, ignorantes, formando pessoas
oprimidas por uma ideologia de uma elite religiosa que se achava perfeita.
Como
se não bastassem as ideologias econômicas e politicas que criavam rupturas
entre as pessoas (cf. Amos 6, 1a. 4-7. 8, 4-7. Lucas 16, 1-13) a classe
religiosa de Israel aumentava ainda mais este fardo pesado: “puros” e
“pecadores”.
Curiosamente,
em nossos dias, as elites politicas e econômicas fizeram crescer determinados
setores do cristianismo (algumas denominações religiosas) e, conjuntamente,
levantam bandeiras ideológicas para sustentar esses velhos esquemas de poder
que o próprio Jesus disse: Basta com isso!. NÃO É POR ACASO QUE O MARKETING
RELIGIOSO DAS RELIGIÕES DE MERCADO COLOCA MUITO MAIS EM EVIDÊNCIA UM POLITICO E
UM ARTISTA QUE “DIZ SE CONVERTER” do que um pobre que disse “Jesus mudou a vida
de meu povo”. FOMOS ARRASTADOS POR ESSE DISCURSO.
A
parábola de hoje é um denúncia de que os fariseus se colocavam diante de Deus a
partir de um construto ideológico de que nós somos “justos e puros” e os outros
“pecadores e corruptos”. VOCÊ CONSEGUE PERCEBER AS SEMELHANÇAS COM ALGUMA COISA
DE NOSSOS DIAS?
Jesus
considerou a imensa dificuldade de mover estas montanhas ideológicas dos
fariseus, inclusive disseminada no meio do povo. Mover essas fixações
ideológicas travestidas de religiosidade é muito difícil. Eles se consideram
absolutos: “Eu te agradeço porque não sou como os outros que são ladrões,
injustos, adúlteros...jejum duas vezes por semana e pago o dizimo” (Lc 18.
11-12).
“Desprezar
os outros” (v. 9). Na liturgia e na vida eles vivem dentro de uma bolha que não
se sentem “com os outros”. Na liturgia querem
ser modelos de piedade e estreita relação com a lei; na vida, querem ser
chamados de “cidadãos de bem”. A hipocrisia deles fez Jesus falar e agir com
dureza contra eles. Jesus ensinou ao povo simples que não seguissem essa gente
(cf. Mt 23), não fossem como eles (cf. Lc 12, 1ss) e que não tivessem medo de
enfrentar esse mar bravio (cf. Mt 14, 27-31) para viver o evangelho, pois estes
não agradam a Deus.
“Desprezar
os outros” (v. 9). A nossa relação com Deus deve qualificar a nossa vida. Em
nossa cultura a ideia de “qualidade de vida” está muito atrelada ao fator
econômico e aquela ligeira sensação de que pertencemos a um clubinho religioso
e a uma família que se distingue por ser melhor que os outros.
“Desprezar
os outros” (v. 9). Quantos de nós temos mais de 10, 20, 30...anos de vida de
igreja e ainda não aprendemos a respeitar os outros por sua cor, raça, gênero,
condição social. Percebendo ou não estamos reproduzindo os mesmos esquemas
ideológicos daqueles que Jesus chamou de hipócritas, raça de víboras e
dissimuladores (cf. Mt 12, 34).
“O
perfeito louvor vos é dado pelos lábios dos mais pequeninos”. (Salmo 8). Quem
ora/reza faz isso na graça Daquele que nos justifica diante de Deus, Jesus.
Quem ora/ reza deve melhorar o seu conceito de justiça para não repetir o
conceito de justiça dos fariseus (cf. Mt5, 20). Cuidado que as falsas piedades/moralismos
não agradam a Deus. Portanto, COMO TEMOS NOS COLOCADO DIANTE DE DEUS E DOS OUTROS?
Boa
semana!
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo