"Enquanto segura a vacina, Bolsonaro vai matando
milhares de velhos e pobres. E o país seguirá debatendo sem parar se ele pode
ou não promover essa matança", diz o colunista Moisés Mendes
A trama armada por Bolsonaro conduziu políticos,
infectologistas, epidemiologistas, ministros do Supremo e a maioria da
população a uma ilusão.
Iludiram-se os que achavam que Bolsonaro havia
recuado e poderia ter de fato assumido a tarefa de organizar a vacinação. Mesmo
que não fosse por opção, mas por falta de alternativas.
Não é bem assim. Bolsonaro continua enrolando. A
entrevista que deu ao filho Eduardo, divulgada no sábado, reafirma o que pensa
o Bolsonaro verdadeiro, e não o personagem criado precariamente para anunciar o
falso plano de vacinação na quarta-feira.
Bolsonaro é o único governante no mundo que
improvisa o próprio filho multiuso como entrevistador. Ouve as perguntas que
quer ouvir e diz o que deseja responder.
E esse Bolsonaro verdadeiro diz não ter pressa
para a vacinação, repetindo o que já havia mandado Pazuello dizer. E que por
isso não vai se apressar a gastar os R$ 20 bilhões previstos em Medida
Provisória para a compra das vacinas.
Bolsonaro não quer comprar vacinas. Só vai comprar
se sentir que a pressão se tornou insuportável. E até agora essa pressão não
existe, mesmo com as últimas decisões do Supremo e da Câmara.
Não há para Bolsonaro nada que o empurre de forma
irreversível para a liberação da vacinação emergencial. E não há nada que o
obrigue a definir o alcance e uma data para o início da imunização de toda a
população.
Não há nenhuma voz forte dizendo: ou vacina, ou
cai, ou vai preso. Bolsonaro está certo de que mantém o controle da situação. E
o controle é pela sabotagem. Não haverá vacina para todos.
A frase-resumo do que ele pensa é esta: “Não tenho
pressa para gastar esse dinheiro”. Gastar é o verbo do desprezo pelos que
tentam fazê-lo agir.
Essa outra frase que reafirma sua segurança: “A
pandemia realmente está chegando ao fim”. Bolsonaro acha que temos agora “o que
se chama de pequeno repique”.
A certeza absoluta da impunidade determina as
ações do sujeito, que contraria a realidade por não temer nada que possa
obrigá-lo a planejar a vacinação. O dinheiro será gasto sem pressa.
A falta de pressa leva a uma conclusão elementar:
ele não teme mais que João Doria saia vacinando antes do governo federal.
Ele e Pazuello mandaram o recado, quando passaram
a ter certeza de que estavam no comando. Controlarão, quando e como quiserem,
todo o plano de vacinação. Estados e municípios serão enquadrados se tentarem
vacinar por conta.
“A pressa para a vacina não se justifica, porque
você mexe com a vida das pessoas”, disse Bolsonaro na entrevista ao filho. A
vida das pessoas estará sob controle dele e de Pazuello, mas sem a vacina.
É possível prever que o plano de Bolsonaro, de
Pazuello e dos militares seja o de fazer uma vacinação pingada, meia-boca, aqui
e ali, para enganar trouxas e ir adiando a vacinação em massa.
Bolsonaro sabe, depois do susto de Doria, que pode
enrolar, porque não há mobilização popular que dê suporte ao Supremo e ao
Congresso. Irá apenas distribuir vacinas a granel em algumas capitais, tudo
lentamente.
Está em andamento no Brasil um crime semelhante ao
do extermínio de judeus em escala industrial.
Enquanto segura a vacina, Bolsonaro vai matando
milhares de velhos e pobres. E o país seguirá debatendo sem parar se ele pode
ou não promover essa matança.
Brasil 147
Moisés Mendes
Moisés Mendes é jornalista, autor de “Todos querem ser Mujica” (Editora Diadorim). Foi editor especial e colunista de Zero hora, de Porto Alegre.
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