terça-feira, 16 de fevereiro de 2021

Tereza do Jatobá por Aécio Cândido

 



Aécio Cândido

Se eu tivesse um espírito mais carnavalesco e se, depois de fazer a feira e de quitar a lista imensa das despesas do mês, me sobrasse algum dinheiro, eu patrocinaria um bloco de carnaval em Cuité. Já tenho o nome e a razão do bloco. Ele se chamaria SOU PRETINHA MAS SOU DO AMOR e homenagearia uma figura conhecida na cidade, em outra época, com vários apelidos, nenhum deles lisonjeiro: Tereza do Mofo, Tereza do Fuá, Burra Preta e também Tereza do Jatobá, o mais neutro e inofensivo. Tereza, na sua pobreza desinibida e na sua demência branda, foi uma mulher de elegância e estilo. Não saía a rua se não fosse impecavelmente bem produzida: colares de muitas voltas, pulseiras aos borbotões, maquiagem farta e muitas camadas de batom escarlate. Mais turbante e saias coloridas. A saída à rua, sempre com uma toilete muito especial, era saudada com gritos, em geral agressivos – as pequenas comunidades podem ser cruéis com aqueles não perfeitamente integrados. Tereza era uma outside: negra, livre no sexo, pisava na rua como quem pisa num espaço seu. Aos gritos de Burra Preta, ou de Negra Preta, ela respondia com esse bordão: SOU PRETINHA, MAS SOU DO AMOR. Às agressões mais violentas ela reservava uma ofensiva virulenta: “Xexeiro, vá pagar o que você me deve!”, gritava para aqueles que, escondidos atrás de alguma porta ou de alguma esquina, desqualificavam sua elegância e sua pessoa. Tempo interessante: a ética dos cabarés e a das quebradas condenava o xexeiro aos constrangimentos da vergonha. 

Era uma rainha, Tereza. Sua liberdade tinha algo de nobre. Viveu como achou por bem viver: enfeitada, irreverente, risonha, às vezes despudorada. Morreu quando chegou seu dia. Não deixou nada que a eternizasse. Só uma lembrança terna que desaparecerá conosco, um ou outro que a conheceu.




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