Preparar-se para a Páscoa não é
simplesmente programar bem a celebração dos ritos próprios desse tempo, mas exige um caminho de aprofundamento da pessoa
de Jesus. A cada domingo somos
envolvidos pelas ações e ensinamentos de Jesus que nos faz compreender o
caminho do Reino de Deus e a sua justiça. Se não estamos atentos a isso, nos
perderemos em cultos vazios.
A
comunidade que celebra a páscoa do Senhor é chamada a fazer a mesma experiência
dos discípulos: “Quando Jesus ressuscitou, os discípulos
lembraram-se do que ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra Dele” (Jo 2,22). Portanto, a celebração da Páscoa nos dá a perspectiva de
compreensão de todo o evangelho e das consequências e exigências de quem opta
por ele. Voltar aos ensinamentos de Jesus e acreditar nele deve ser a catequese
perene da Igreja.
Jesus,
na perspectiva dos antigos profetas, não ensina apenas com palavras, mas
através da profecia em ato (ações simbólicas), isto é, por meio de um gesto
simbólico e muito provocativo: “Fez então um chicote com cordas e expulsou
todos do Templo” (v. 15),
chama atenção dos presentes a ponto de, não entendendo a razão para tal ação,
exigirem a sua justificativa: “Que sinal nos mostras para agir assim?” (v. 18). A ação realizada alcança seu
ponto alto na palavra de Jesus: “Destruí este templo, e em três dias eu o
levantarei” (v. 19), que
representa uma denúncia e o anúncio portador de uma revelação de quem Ele é.
A
cena é muito significativa, Jesus entra no coração da identidade nacional e
religiosa do povo judeu (Templo / Páscoa); e, por ocasião da festa da Páscoa,
no momento mais importante da celebração, a festa da memória do acontecimento
mais marcante da sua história, a libertação das garras do Faraó.
Pedagogicamente dizemos que Jesus
está no centro da história e da religião do povo Judeu. O Templo deve ser o lugar do encontro com
Deus e com os irmãos. É o lugar da fraternidade como identidade do povo santo
de Deus. O culto dedicado a Deus é para honra-lo como Criador de todas as
coisas, e celebrar as intervenções de Deus na historia do povo, suas ações
libertadoras, fazendo de tudo isso uma grande ação de graças (cf. Ex 20,
1-17).
Porém,
encontrando o Templo transformado em casa de comércio e a festa da Páscoa em
ocasião de exploração, Jesus, ardente de zelo (cf. Sl 69,10. Jo 2, 17), denuncia essas infidelidades e proclama a
realização da Páscoa definitiva e do verdadeiro Templo onde todos terão acesso
a Deus. A cena é tão cheia de
significados que por ocasião da sua morte, “o véu do Templo se rasgou em duas partes” (cf. Mt 27,51; At 17,24; Hb 9,12; 10,20), isto
é, não há mais nada que vele o Mistério (cf. Dt 29, 29), não há necessidade de
véus, pois não há mais nada de oculto, tudo está revelado e consumado em Jesus
Cristo (cf. Jo 1, 14. 18, 20. 19, 30), por isso que, como dissemos
anteriormente, a preparação da Páscoa não é uma mera organização litúrgica, mas
conhecimento deste Mistério.
O
desvio da finalidade do Templo, que devia ser o lugar da adoração do Deus criador e libertador, e a manipulação da
Festa da páscoa em vista do enriquecimento econômico dos que detinham o poder
do Templo (v. 14) levam Jesus a uma ação profética que não pretende acabar com o Templo nem com o
culto, mas recuperar o seu significado original.
A
purificação do Templo se sintoniza com as expectativas do tempo messiânico de
que o Messias purificaria e reconstruiria o Templo (cf. Ml 3,1-3). Um assíduo
leitor da Palavra de Deus percebe que Jesus faz uma releitura de todas as
tradições de Israel e reclama de tudo aquilo que não vem de Deus e não traz
vida ao povo (exploração e descaso para com o povo e a idolatria ao dinheiro
reclamada desde os antigos). Jesus denuncia a piedade impiedosa: “eis que
faço nova todas as coisas” (cf.
Ap 21, 5). Jesus tem poder de resignificar (cf. Hb 1,1-2. 2, 1-4), portanto, para sair da
alienação religiosa que muitas pessoas se instalam, é preciso “ouvi-lo” (Mc 9,7).
A
grande novidade, desta catequese, é a substituição do Templo material por uma
realidade totalmente diversa que é o Corpo de Jesus ressuscitado. Na
eclesiologia do Novo Testamento, tão bem descrita nas cartas paulinas, a Igreja
é corpo místico de Cristo (povo batizado no Senhor) e Ele é a cabeça. Assim
como Cristo (cabeça) ressuscitou, a Igreja (seu Corpo) ressuscitará. É a
vitória do amor e da fraternidade sobre o mau. Portanto, o Zelo de Deus, não é
tanto pela Igreja-Pedra, mas Igreja-Corpo, por este corpo que Ele doa a vida
(cf. Jo 15, 13). No jeito velho de se cultuar a Deus se explorava o povo para
manter certas estruturas. No jeito novo de Jesus Cristo, se doa a vida pelo
zelo do povo em suas necessidades. É
o recado de Jesus contra os mercenários narcisistas de todos os tempos que
privatizam a religião em suas manias de grandeza (cf.
Salmo 118(119), 36).
Jesus
inaugura a nova e definitiva liturgia agradável a Deus, não como os famosos
gurus religiosos e oportunistas de nosso tempo que dizem “o Espirito
Santo não quer palmas, quer dinheiro”.
São João Crisóstomo (407 d.C), arcebispo de Constantinopla, ensinava ao povo,
aos seus diáconos, e aos seus presbíteros: “De que adianta se a mesa eucarística estiver
sobrecarregada com cálices de ouro quando seu irmão estiver morrendo de fome? Comece
satisfazendo a fome dele e depois com o que resta, você também pode adornar o
altar’”. E, ainda dizia: “Se não
conseguirdes encontrar Cristo no mendigo na porta da igreja, não o encontrará
no cálice.” É um recado
profético e coerente àqueles que acham que dar o melhor a Deus é revestir toda
a igreja de ouro e prata, isso é mera projeção de nossa vaidade. Não
adianta falar de Jesus se não defendemos os pobres, os pequenos, os explorados,
os excluídos, se não temos posturas claras e proféticas sobre nossa opção pelos
eleitos de Deus (cf. Mateus 5 ,3-16) . Não adianta nossos louvores, cheios de
emoções e homilias com linguagem rebuscada se a nossa justiça não for maior do
que a dos fariseus.
Se
você consegue imaginar como as palavras de São Joao Crisóstomo foram ouvidas
pelos ricos e aristocratas da sua época imagine como elas estão sendo ouvidas
agora, por mim e por você que estamos lendo. O alto preço que foi pago por tão
grande dádiva não se quantifica em moedas, mas é expressão da generosidade do Filho
de Deus que veio para dar a sua vida a fim de “que todos tenham vida e vida em abundância” (Jo 10,10).
Paraibaonline


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