segunda-feira, 25 de abril de 2022

O Primeiro Campo Santo por Flauberto Fonseca



 Flauberto Fonseca 

Quando volto ao tempo tenho costume de buscar vestígios de como foi constituída a sociedade cuiteense em muitos de seus núcleos familiares que povoaram toda extensão do município bem como foram traçados e implementados os mais diversos meios de moradias, comerciais e outros espaços e equipamentos público sem nossa cidade.

Sigo o cortejo dos muitos escritos que foram lavrados e apanhados por alguns nativos e escribas, que dia após dias nos presenteia com uns clarões de luzes de conhecimentos derivados da história de nossa gente e de nosso lugar.

Entre as minhas tantas buscas para responder as minhas indagações, debruço sobre os vestígios arquitetônicos do que foi o primeiro cemitério público municipal que foi implantado nomeante do século XIX e que tinha a sua denominação de São Miguel Arcanjo, este criado não só em razão da falta de espaços na velha igreja, mas  também de graves problemas sanitários que ocorriam na época.

Falo dos resquícios de seu baldrame em tijolo vermelho que ficava ao nível do piso da via e era patente a sua exposição principalmente quando chovia e por muito tempo ficou exposto aos olhos de muitos que transitavam sem nenhuma noção que naquele espaço já repousaram muitos os nossos entes queridos e quem sabe até parentes daqueles transeuntes.

Despertando e aflorando a memória de alguns, o primeiro cemitério público de Cuité foi construído no confim onde hoje é parte da Praça Aniceto Pereira, bloco separado do Mercado Público (atual Praça de Alimentação), Rua Jovino Ferreira, Largo da Feira e Banheiros públicos e o seu portão de acesso ficava voltado para a Rua Floriano Peixoto.

Sem deixar de citar que de acordo com relatos de terceiros, em suas cercanias havia um parque de vaquejada e um curral e cocheira que era parte integrante da propriedade do senhor João Teodósio Coelho e também fazia divisa com a Usina de algodão (atual Mercado Público) propriedade de Benedito Venâncio e aos fundos terras do senhor Jaime Pereira.

Relatava alguns que vivenciaram a existência daquele local e que o mesmo detenha em seu acervo arquitetônico uma pequena capela em homenagem a São Roque (o santo protetor contra doenças e pragas) e um destacado número de jazigos bem caiados e ornados que eram propriedades das famílias de endinheirados e muitas covas rasas com simplórias cruzes de madeiras dos menos abastados tendo a sua administração confiada ao senhor João Camilo que morava em suas mediações.

Sendo que em um determino tempo o mesmo já não possuía espaço suficiente para o acolhimento de novos sepultamentos havendo a necessidade da construção de uma nova necrópole, o Cemitério Nossa Senhora do Carmo, que posteriormente recebeu os restos mortais que foram exumados e removidos do velho cemitério.

Constam nos registros por citações e anotações em antigos livros (tombos), patrimônios históricos da igreja e parte de nossa história, que coincidentemente ou a acaso do destino a minha família paterna tem um extremo e relevante vínculo com o primeiro Campo Santo que foi criado em nosso lugar, pois foi nele que a minha bisavó paterna a senhora Ana Amélia Rodrigues Campos, foi sepultada e que passou a ser a primeira a ter o seu repouso eterno naquele espaço. Ana Amélia era esposa do senhor Thomaz Soares da Costa Campos (meu bisavô), mãe de minha avó paterna a senhora Adelaide Amélia Campos (nome de batismo) e ou Adelaide Amélia da Fonseca (nome de casada).

Outros relatam que até os meados dos anos 50 ainda havia acentuados laivos da edificação, inclusive restos mortais (ossos) que eram violados e subtraídos do local para outros fins.

É salutar pontuar que a sua desativação aconteceu no decorrer da segunda parte dos anos 30, haja vista que um novo Campo Santo já havia sendo edificado.

Tornando-se a consumação final de sua demolição ocorrida no início dos anos 60 sob a gestão do então prefeito senhor Jaime Pereira. Os restos mortais que ainda se encontravam no local foram levados para o novo cemitério e depositados em um monumento funerário, entretanto, é importante ressalvar que a melhor definição dada ao mausoléu foi proferida por um anônimo que certa vez disse: “É a primeira vez na Serra de Cuité que vejo ricos e pobres reunidos em único lugar e sem hora para saírem”.

Também são muitas as resenhas, estórias e lendas que eram contadas por alguns vagantes das noites frias de nosso lugar, que depois de alguns goles a mais diziam que viam uma mulher vestida de branco andando sem rumo no local e um sujeito bem vestido que pedia um cigarro e perguntava as horas e assim por muito tempo alguns acreditavam que o local era mal-assombrado.

Entre as muitas das leituras que já garimpei em vida, a que melhor define o lugar do repouso eterno é de autoria do pensador Osmar Herzog: “O lugar mais rico do mundo é no cemitério. Nele encontramos invenções que nunca foram conhecidas, ideias e sonhos que nunca foram realizados, esperanças que nunca foram alcançadas. O sucesso são pequenas coisas bem feitas, dia após dias, disciplina após disciplina, sacrifício após sacrifício”.

Em suma, como passar do tempo e a urbanização da área o único rastro que ficou do velho Cemitério São Miguel Arcanjo, foram os traços parciais do seu baldrame que carrego em minha memória fotográfica como um marco histórico de nossa cidade.

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