segunda-feira, 17 de outubro de 2022

Padre Edjamir Sousa Silva: o clamor dos injustiçados que sobe aos céus

 


No evangelho deste domingo (Lc 18, 1-8), Jesus mais uma vez fala sobre a oração em seu significado.  Ele não insiste propriamente sobre a quantidade da oração, mas sobre a perseverança na oração e a confiança em Deus. Para Jesus não se trata apenas de ‘rezar muito’: “quando orardes não useis muitas palavras, como fazem os pagãos. Eles pensam que serão ouvidos pela força das muitas palavras NÃO SEJAIS COMO ELES” (Mt 6, 7ss), mas apenas ‘nunca desistir’ de rezar. 

O próprio Jesus não foi uma espécie de monge, devotista, asceta dedicado exclusivamente à oração, e nem mesmo os discípulos que deram prosseguimento à sua missão, pois conjugaram equilibradamente o anúncio do Evangelho, isto é, a missão, com muitas iniciativas em favor das pessoas da comunidade ou de fora dela (a prática da caridade). 

Esse equilíbrio faz o cristão aprender a integrar e dialogar fé e vida. O caminho da maturidade humana/afetiva/pastoral e espiritual passa pela lição do saber integrar as coisas, caso contrário nem um de nós e de nossos grupos eclesiais compreenderemos o Reino de Deus. 

Para entender a parábola proposta por Jesus no evangelho deste domingo precisamos dar um passo atrás e situá-la no seu contexto literário. Jesus está tratando da questão da vinda do Reino de Deus (cf. Lc 17,20-37). Misturando a linguagem direta com a linguagem apocalíptica, 

O jovem pedagogo de Nazaré ensina que o Reino de Deus não aparece de forma ostensiva e espetacular, mas é uma surpresa que se esconde em todas as ações e movimentos de solidariedadeA súplica da viúva da parábola tem seu foco implícito na expectativa da manifestação próxima da justiça do Reino de Deus.

Na Bíblia, a viúva é o protótipo da pessoa pobre e abandonada, de quem está no limite da vida e não tem com quem contar. A tais pessoas pertence o direito de clamar a Deus. Quem clama são os oprimidos e os pobres; os poderosos e ricos apenas declamam, repete ou reclamam. E Deus jamais se mostrou indiferente ao clamor dos humildes que, dia e noite, suplicam diante dele. A passagem exemplar continua sendo aquela do livro do Êxodo: “Os israelitas continuavam gemendo e clamando sob dura escravidão. E os gritos de socorro devidos à escravidão subiram até Deus” (Ex 2,23).

Por isso, podemos afirmar que Jesus não quer propriamente chamar a atenção para a necessidade da oração contínua, e nem apenas para o seu conteúdo. A parábola está focalizada na eficácia do clamor dos injustiçados, daqueles que clamam insistentemente pela intervenção de Deus. Fazendo referência ao juiz que, mesmo não tendo fé, atende ao clamor da viúva, Jesus nos interroga: “E Deus, não fará justiça aos seus escolhidos, que dia e noite gritam por ele? Será que vai fazê-los esperar?” O próprio Jesus responde: “Eu vos digo que Deus lhes fará justiça bem depressa”.

Jesus é a mediação do socorro, mas não apenas ele. Todas as pessoas que creem em Deus são mediadoras da sua resposta aos clamores pela vinda do seu Reino. Mesmo que, muitas vezes, nós mesmos estejamos entre aqueles que clamam, à medida em que aderimos a Jesus Cristo também somos responsáveis pela resposta de Deus aos clamores dos outros. “venha o teu Reino”, continuamos a suplicar, mas não podemos parar por ai e enterrar os talentos que recebemos de Deus. Jamais podemos esquecer o exemplo do samaritano (cf. Lc 10,25-37): “Vai e faze tu a mesma coisa”.

A oração cristã é sempre um exercício de ruptura com os esquemas desumanos, odiosos e injustos, ao mesmo tempo uma ruptura com aquela confiança absoluta (ego-idolatria) em nós mesmos, para uma progressiva abertura à vontade de Deus, que é, ao mesmo tempo, libertadora. 

A oração é um exercício humano e espiritual que tenta aproximar a nossa vontade da vontade de Deus, que procura deslocar o centro em torno do qual gira a nossa vida de nós mesmos para o advento Reino de Deus, para a vida plena ou do bem viver para todos.

Não há liturgia, com suas normas e pompas, que chegue ao céu de forma agradável, se não deslocamos nosso ser ao de Deus, se não estamos integrando fé e vida, se não estamos preocupados com a justiça do Reino de Deus, mas compactuando com as radicais idolatrias da ostentação, do poder e da mentira. Um bom diálogo com Deus ajuda-nos a desintoxicarmos de uma vida fechada em nós mesmos.  

A eficácia da oração se mostra claramente no alargamento e no aprofundamento da nossa consciência, do nosso modo Novo de ver as coisas. Ajuda-nos a tomar consciência da ação de Deus que está em curso na história, e das possibilidades escondidas nela e em nós mesmos. Mas também nos eleva ao alto da cruz para que, assumindo a perspectiva de Jesus Cristo, sintonizemos com todas as criaturas que clamam por uma libertação que ainda não se realizou.

Não são os grandes quem nos ensinam a rezar, nem pregadores unidos de tantas doutrinas e os lábios cheios de discurso odioso e vaidades pessoais, mas quem melhor nos ensina a rezar são os pobres – que como aquela viúva do evangelho – confiam muito em Deus: “Venha nós o vosso Reino, Senhor!”

Paraíbaonline

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