segunda-feira, 14 de novembro de 2022

Padre Edjamir Sousa Silva: “É preciso destruir”



 Neste penúltimo Domingo do Tempo Comum celebramos o nosso comprossimo evangélico com Jesus que, como diz o apostolo Paulo, “se fez pobre por nós” (cf. 2Cor 8,9). A expressão “se fez” não quer dizer dissimular, estar teatralizando algo, etc; mas quer dizer de um jeito de ser real de Jesus que se tornou um paradigma de alguém desprovido de riquezas, vaidades e aquele tipo de poder insano que se sobrepõe sobre os outros sem misericórdia. Deus escolheu ser pequeno e escolheu os pequenos.

Ao entrar no movimento da história, o Filho de Deus assume não só a condição humana, mas tudo o que nela contém para levar à plenitude; ele assume a nossa pobreza e pequenez como algo seu e fez disso um caminho: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (Jo 14,6). É um caminho de novos paradigmas que exige de seus seguidores novos discernimentos, mudança/conversão. 

“Dias virão” (Lc 21, 6b). A vida está em movimento e pede movimentos. A mudança de mente/mentalidade (Ex 32,7-14. Mt 17, 17), de coração/afeto (cf. Ez. 36, 26)  exige de nós que, de tempos em tempos, revisemos nossas vidas, conservando umas coisas, alterando outras, derrubando ideias fixas, convicções absolutas, modos fechados de viver que impedem a entrada de uma fresta de luz do sol e da brisa da manhã.

“não ficará pedra sobre pedra” (v. 6b).  São muitas “pedras” que ainda estão no caminho (pessoais/ sociais/religiosas) que criam muralhas e que precisam ser destruídas: ódio, intolerância, racismo, a violência, a pobreza, o desrespeito ao ser humano e à casa comum e até mesmo a tentativa de calar o evangelho e os profetas.

 Aquele coração rígido de que Jesus falou tantas vezes se visibiliza na petrificação das relações que rompe a cultura do encontro e alimenta a cultura da indiferença e do farisaísmo. O corajoso Jovem Nazareno convidava o povo a uma abertura ao novo e o abandono do fechamento agressivo que bloqueia toda possibilidade de uma nova forma de pensar a vida e as relações.

Há em todo ser humano uma tendência a cercar-se de muros, a encastelar-se, a fechar-se em guetos ou uma auto-referencialidade. Nada mais contrário ao Seguimento de Jesus do que uma vida fechada com pontos absolutamente fixos, definitivos, “tranquilizadores”.

Numa vida assim faltaria a criatividade, a capacidade de questionarse, a audácia de se arriscar, a coragem de fazer um caminho aberto à aventura da vida: “Viver é um milagre” (Gal Costa). Para viver bem é necessário afastar a pedra da entrada do coração para poder viver com mais criatividade.

 É preciso dilatar e alargar o coração para que nossos conceitos melhorem, inclusive o conceito de amor e de caridade que ainda vivem cercados e sufocados pelos muros formalistas, doutrinais e cheios de preconceitos que delimitam as nossas ações. Quando escutamos o evangelho dizer “não ficará pedra sobre pedra” é fundamental se permitir destruir as muralhas. 

As respostas do passado às questões atuais já não satisfazem; as velhas razões para fazer coisas novas, simplesmente já não movem os corações num mundo repleto de novos desafios: “não se coloca remendo novo em roupa velha” (Mt 9, 16). Não há razão para permanecer nos castelos e templos quando todas as circunstâncias mudaram.

Para compreender o coração de Jesus “na sua altura, profundidade, largura e cumprimento” (cf. Ef. 3,18-19) é preciso também romper com hábitos que nos atrofiam ou com padrões que travam o fluir de nossas vidas, é a marca do Evangelho.

 A primeira atitude é procurar saber se a nossa vida não está estreita, cercada não só por uma temporalidade e o medo da finitude, mas às vezes por pedras e muralhas que não nos permitem ver horizontes diferentes e irmão que está logo ai. A utopia de Jesus é possível quando pessoas e instituições se abrem ao evangelho. N’Ele tudo é totalmente novo.

Para encontrar Jesus Cristo é também preciso sair; é inútil permanecer apenas nos “belos templos” e “bloqueados” nos guetos de fanáticos. É preciso caminhar em direção às “periferias existenciais deste mundo”, o Grande Templo onde o Vivente se deixa encontrar, e esta é a paixão que traz uma paz inquieta.

Às vezes, ficamos encantados com coisas que o próprio Jesus achou um “exagero”. Olhando para aquele Templo de Jerusalém enfeitado com tantas pedras preciosas, candelabros de ouro e prata erguido com tanto zelo, mas também com a exploração escancarada de ofertas do povo simples, Jesus questiona: “Vós admirais estas coisas?” (Lc 21, 6). 

É como se dissesse: “É disso que vocês se encantam? Será que vocês não são capazes de se encantar com coisas mais essenciais como as bem aventuranças? Será que as vossas obras são mais interessantes de serem contempladas e assumidas do que as obras do Reino de Deus?” É preciso destruir isso.

“Tudo será destruído” (Lc 21, 6 d). Na vida, nem sempre é questão de construir. Também, às vezes, é preciso assumir uma atitude fatídica de destruir aquilo que não tem sintonia com o evangelho (cf Lc 2, 22-40). De fato, a vida e a mensagem de Jesus revelaram uma novidade de tal magnitude que gerou um radical conflito com as estruturas desumanizadoras de seu tempo. Com a presença de Jesus, chega também para nós a “Boa Nova” de um movimento necessário que reconstrói as coisas a partir da compaixão, mansidão, paz, a busca da justiça, a amizade e a partilha…

No Livro do Eclesiástico se diz que na vida “há tempo para edificar e tempo para derrubar” (23, 3). Precisamos de profetas que vão derrubando nossos muros de ignorâncias e de resistências tolas à novidade do Espírito, que saibam apresentar respostas criativas aos problemas que a humanidade tanto padece e que parece não melhorar. É necessária uma nova geração de cristãos mais humanos, conectados e encantados com a vida como um todo e não com as “pedras precisas”.  

Nesta Igreja que tanto amamos, existem muitas iniciativas interessantes de proximidade e solidariedade com as situações de pobreza, de miséria e de exclusão: são os Sopões, as Caritas, Pastoral Carcerária, Pastoral de Acesso a Justiça, Pastoral da Saúde, Pastoral da Terra e tantas outras ações que traduzem o evangelho em obras. Em cada encontro com o povo um novo encantamento e o desejo de “mudar o mundo”. 

É assim o serviço ao Senhor, o ardente desejo de que o amor mova a vida. E isso provoca dentro de nós a dilatação do coração. Convêm aqui algumas provocações: “Com que você se encanta, o templo pedra ou templo gente/povo de Deus? Estamos mais empenhados nas construções de pedras ou na construção de uma sociedade mais justa e fraterna?”. Diz o Senhor “onde está o teu tesouro ai está o teu coração” (Mt 6, 21).

Hoje celebramos o dia mundial do pobre, é o dia de Jesus Cristo por excelência que “se fez pobre por nós” (cf. 2Cor 8,9). Não é por acaso que Jesus optou estar ao lado dos excluídos, dos pobres e dos pequenos. Ele quis estar ao lado dos fracos e oprimidos. Convidou a amar com largueza, estender a mão, socorrer, defender, estar ao lado, amar com inteligência e sem medo. 

Ensinou que a vida se movimenta melhor quando todos ajudam uns aos outros. Ensinou aos jovens de sua época que a vida sem causa não é tão nobre. Um eco que chegou ao coração de muitos que tornaram sua vida um serviço ao bem comum. Feliz aquele que entender isso. 

Celebramos também neste domingo, em comunhão com a Igreja no Brasil (CNBB), a realização do 48º Congresso Eucarístico Nacional que acontece pela segunda vez em Recife (Regional Nordeste 2). A 1ª vez foi nos anos de 1939 (ano que se iniciava a II Guerra Mundial). Esta edição de 2023 se contextualiza dentro de um clima de muitos conflitos: de guerras, de divisões, de polarização inclusive dentro da Igreja, de um pais que desde 2018 retornou ao mapa da fome e da miséria, da destruição da Amazônia/biodiversidade (Casa Comum) e de seus povos originários. 

O 48º Congresso Eucarístico tem um apelo profético que pede um alinhamento de todas instancias da sociedade igreja e governabilidade civil: “Pão em todas as mesas” (canção de Zé Vicente): pão da fraternidade, pão que alimenta o corpo e alimenta a espiritualidade, pão do respeito, pão da misericórdia e da compreensão, pão da tolerância…pão da vida e da paz. 

Que nunca nos falte este alimento. Amém!

Paraibaonline

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