segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

Padre Edjamir Sousa Silva: Os direitos de Deus são os direitos dos humanos

 


Irmãos (ãs),

O Tempo Litúrgico do Advento está prestes a se concluir, e, depois de três semanas nas quais a espera estava dirigida à parousía, (o Filho do homem na sua glória), agora inicia um tempo de memória: recordamos eventos do passado, desde a pré-história do Messias (anunciado pelos profetas e almejado pelo povo), fazemos memória de como o Filho de Deus veio ao mundo, porque são precisamente esses eventos que fundamentam a nossa espera pela vinda gloriosa de Cristo.

Nós confessamos a nossa fé em Jesus também na sua vinda ao mundo, na encarnação, na sua humanização, nas etapas e nos eventos que manifestaram o desígnio de salvação de Deus. Deus caminhou entre nós como um de nós, na condição humana. Cada dia de sua vida era uma página do evangelho, não escrita em pergaminhos, mas escrita nas entrelinhas da vida, a boa nova da vida.

O Advento é um convite à escuta e ao diálogo: escuta de Deus que fala, inclusive fora dos canais de TV e das redes sociais, no silêncio do recolhimento e na contemplação profunda dos sinais dos tempos; diálogo tecido com os fios do intercâmbio, dos encontros com os diferentes, das ações solidárias, das preces engajadas. E é aqui, na espiritualidade do Advento, que brilham as figuras de José e de Maria.

À margem dos grandes acontecimentos, na periferia dos lugares importantes, no anonimato suspeito de Nazaré, Maria e José escutam a Palavra de Deus na tenda da sua casa e na penumbra luminosa dos sonhos. Deus se revela apreciando a beleza daquela que seria sua desejada morada, da arca que abrigaria o sacramento da sua Aliança definitiva: “Alegre-se, cheia de graça! O senhor está com você!” (Lucas 1, 28). E convida José a não ter medo, a acolher Maria e o mistério que carrega no seu ventre, a mostrar sua justiça e retidão descumprindo a lei que lhe dava a possibilidade de abandoná-la e denunciá-la e até apedreja-la (o legalismo, a intolerância e a morte caminham juntos).

Maria e José engajam-se de corpo e alma no desejo de Deus. Maria discute apenas o modo como isso poderá ser feito, sua preocupação não é construir um templo suntuoso para acolher o Filho de Deus, justificando que tem ser dado o melhor para Deus (este menino cresceu dizendo que Deus não precisa disso. Esse “melhor para Deus” fala muito mais da vaidade do idealizador que se projeta nisso do que no desejo de Deus).

Ela aceita ser a morada de Deus e coloca-se a serviço dele. José não diz nada, não discute com Maria sobre aquela situação tão inusitada. Sua palavra é sua atitude: “Fez conforme o anjo do Senhor havia mandado e aceitou sua esposa”. (Mt 1, 24). Deus não esquece de ser misericordioso, e cumpre aquilo que promete! Em José ele encontra um colaborador ativo e fiel, que abre as portas para que Deus seja Emanuel, Deus conosco.

Não se enganem, o poder de Deus se mostra em mediações frágeis e pobres que muitas vezes debochamos delas. Ele cumpre suas promessas através das pessoas que nele confiam e a ele se entregam. É isso que nos mostram José e Maria, a vida das comunidades dos primeiros discípulos, e milhões de homens e mulheres pelos séculos a fora. Deus faz sua parte e cumpre o que promete, mas espera que façamos a grande parte que nos toca.

O espirito do Natal no ensina que não se trata de construir templos, palácios e ornamentações cheias de vaidades e vazias da justiça de Deus para com os pobres e pequenos. Deus prefere morar em nós, mesmo que sejamos pouco mais que pobres estábulos. Ele vem a nós como criança, e assim desperta em nós um amor puro.

A preparação do Natal é uma tarefa que nos envolve da cabeça aos pés. Mas as luzes só têm sentido se forem expressão de um coração iluminado. Os presépios adquirem beleza na humana hospitalidade de quem acolhe. Os presentes significam algo na medida em que nos transformam em presença gratuita e solidária e nos fazem lembrar. Aquele que é a Presença de Deus na carne humana. O Natal jamais pode restringir-se ao aconchego de quatro paredes, a um clima doméstico, fechado ao mundo numa ideologia familiar tradicional, mas indiferente aos outros. Nossos sonhos, como os de Deus, devem ir muito além!

Que as malhas e algemas de ideologias como estas não nos impeçam de ver os sinais da visita de um Deus que não se apropria de todos os poderes, não tolhe a liberdade e a iniciativa dos humanos, nem que se coloca narcisicamente acima de todos. Deus gosta de estar no meio de nós, seu povo, e não acima de todos. Tanto a gruta de Belém como a casa de Nazaré nos ensinam outras lições. Os direitos de Deus são os direitos dos humanos.

Deus é parceiro da humanidade, faz nela sua morada e suscita e sustenta iniciativas de humanização. Ele não se importa com a pureza moral dos indivíduos ou com os nacionalismos, mas com as dores e necessidades dos seus filhos. Aquilo que estava escondido em doutrinas e ritos separados da vida ou opostos a ela se tornou claro acessível a todos os povos e religiões em Jesus. A ele prestamos serviço e culto, cuidando dos que sofrem.

Gostaria de concluir esta meditação com um trecho da pregação do Cardeal Frei Raniero Cantalamessa, feita essa semana, aos membros da Cúria Romana, por ocasião do tempo do Advento. Diz o pregador: “Diz uma lenda que, entre os pastores que se dirigiram para encontrar o Menino na noite de Natal, havia um pastorzinho tão pobre, que não tinha nada para oferecer à Mãe, e ficava de lado, envergonhado.

Todos disputavam para entregar a Maria o próprio presente. A Mãe não conseguia pegar todos, tendo que segurar o Menino Jesus nos braços. Vendo-o ali ao lado o pastorzinho com as mãos vazias, toma o Menino e o coloca em seus braços. Não ter nada foi a sua sorte. Façamos com que seja também a nossa”.

Feliz Natal!

Paraibaonline

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