segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Padre Edjamir Sousa Silva: É preciso ir ao povo

 


O Evangelho deste segundo domingo do Tempo Comum nos coloca dentro de mais uma Epifania. É João Batista quem contempla a manifestação de Deus: “Ao ver Jesus, João Batista exultou ‘Eis o Cordeiro de Deus, aquele que tira o pecado do mundo’” (Jo 1,29). Acompanha esta leitura o texto de Isaías (49,1-7), em que Deus fala ao seu povo (pessoas pobres e escravizadas) que ainda tinha esperança.

Temos uma visão bastante restrita sobre o termo “hebreu”. Não é raro pensarmos que se trata de um povo ou uma raça; mas, na verdade, é bem mais que isso. Na idade antiga os povos construíam suas cidades próximas às águas, é essa característica que marcou a formação das populações da Mesopotâmia, que significa justamente isso, terra entre rios. Nesta região se desenvolveram babilônicos, assírios, sumérios e muitas outras civilizações. 

Como esta porção de terra em que se formaram estava cercada de rios, aquelas pessoas mais empobrecidas, que não tinham terras dentro deste espaço, precisavam cruzar os rios e buscar algo além, até mesmo se refugiar em terras desertas pelo fardo pesado da vida frenética e injusta das grandes cidades (altos impostos, perseguição por parte do império, uma religião legalista, etc..). 

Toda a pessoa que precisava ir tentar a vida em outro lugar, independente de qual povo pertencesse, era chamada de hebreia, ou seja, aquela que atravessa o rio. Longe de suas casas, não raramente, eram escravizadas e exploradas, sofrendo todo tipo de violência e sujeição.  São estas pessoas as  quais Isaías se refere como “almas desprezadas, abominadas pelas nações, servas dos que dominam” (Is 49,7) que Deus promete “cobrir com sua sombra (…) guardar como flecha em sua caixa” (Is 49,2).

O Evangelho (Jo 1, 29-34) retorna ao lugar das águas, é preciso cruzar o rio, agora o Jordão, para encontrar o povo de Deus. Na travessia pelas águas, a pessoa batizada se propõe a ir também ao encontro dos outros, dos miseráveis que sem alimento, sem um amparo religioso e lugar para viver (instabilidade social), perderam seus nomes, chamadas apenas de “hebreias”; mas Deus não se esqueceu delas e, na pessoa de Jesus, cruzou também o rio para encontrá-las.

O texto relata que Jesus vai ao encontro das pessoas movido pelo Espirito “que repousa sobre ele” (teofania). É o mesmo Espirito que pairava sobre as águas na criação (cf. Gn 1, 2), que falava por meio dos profetas (cf. Am 3, 7. Is 61, 1-3.  Hb 1, 1) que concebeu o Verbo Encarnado em Maria (cf. Mt 1, 18) com a finalidade de reorganizar a criação, refazer todas as coisas, dar um caráter novo às estruturas de injustiça e morte (que categoriza, exclui, persegue, faz sofrer e traz a morte)  que chamamos de pecado.  

Certamente as pessoas que optaram por seguir João Batista, que não tinha casa nem alimento, eram aquelas que nesta vida não tinham mais esperança, largaram tudo para esperar em Deus. Ao verem o Messias, diferente dos sacerdotes e poderosos que o ignoraram, estas pessoas o seguiram, e Ele as  levou para a sua morada (Jo 1,37-39).

João Batista apontou o Messias, mas também foi para o Messias a porta de entrada para o deserto e encontro com os anawins/pobres de Javé. Na Igreja há muitos papas, bispos, padres, diáconos, leigos/as, missionários/as que no seu serviço eclesial são portas de acesso aos pobres de Deus. 

Eles não estão nas portas dos palácios, mas no deserto (geográfico e existencial) de muita gente. Nestes, paira o Espirito do Senhor. Eles/Elas não tem apenas o propósito de trazer as pessoas para a Igreja (para a vivência de preceitos), pois o Espirito de Deus os impulsionam extirpar as sombras de injustiça e iniquidade (trevas) que pairam sobre as estrutura deste mundo.   

Para concluir, podemos pensar que Deus não está nos lugares seguros, mas está onde seus filhos precisam d’Ele, e para encontrar seus filhos Ele atravessa esta faixa (muros ideológicos) que nos separa dos mais necessitados. 

O pecado do mundo, que o Cordeiro veio para tirar pode ser entendido como a superação da exclusão. Há muitos que são excluídos e outros tantos que saem porque aqueles lugares não têm vida, não tem aconchego, não tem respeito, reconhecimento e oportunidade de crescimento. 

Nas visitas aos em situações de rua encontramos, curiosamente, algumas pessoas que não querem voltar para o seu lar de origem que, por entre muitos fatores, reclamam de contextos de desafetos, de nivelação moral impiedosa, brigas, incompreensões e exclusões. São as vicissitudes humanas que muito nos surpreendem. Assim, a gente entende o fato de Jesus querer levá-los para sua casa. Eles precisam de um lugar seguro e vida digna. 

Obrigamo-nos a olhar para as pessoas necessitadas porque Deus, que andou entre nós, não se encantou nem com o Palácio de Herodes e nem com o Templo enfeitado de pedras preciosas, mas desceu até a multidão de pessoas empobrecidas que acompanhavam João Batista. 

A boa missão não se faz em cima de palcos, tablados e púlpitos; mas, em Jesus Cristo e no poder do Espirito, no cruzar das águas (referência do batismo) para ir ao povo. 

As manifestações de Deus sempre nos ensinam que Ele está conosco nos momentos mais difíceis, é preciso confiar e segui-lo, para encontrarmos também aquelas que carecem de nós.

Boa semana para todos!

Fonte: Paraibaonline

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