segunda-feira, 30 de janeiro de 2023

Padre Edjamir Sousa Silva: A Teologia do Reino

 


Nos dois últimos domingos refletíamos que Jesus deixou sua casa para doar os melhores anos de sua vida numa utopia que lhe consumiu: “um novo céu e uma nova terra” (cf. Ap 21,5). Agora, neste Quarto Domingo do Tempo Comum, já começamos a trilhar em seus ensinamentos (cf. Jo 14, 16).

À frente de seu tempo e com uma visão mais aberta sobre vida (Deus, religião, sociedade, família, pátria e pessoa humana) Jesus enfrentou a dura resistência de uma sociedade (civil e religiosa) que flertava com a intolerância, a intransigência, que tinha o habito de segregar, que eram desumanos e opressores. É nesse contexto que o Filho de Deus chega como pastor para ser luz e proximidade: “O Reino de Deus está próximo” (Mt 4, 17).

Movido pelo Espirito Santo e por seus bons ideias, Jesus não saiu de casa com um rolo da Torá debaixo do braço para fazer proselitismo religioso, mas, vendo os sinais de trevas que permeavam a vida das pessoas (cf. Mt 4, 12 -23), foi anunciar o Reino. 

O salmista (Sl 1,1a.2) canta: “Feliz o homem cujo prazer está na lei de Javé”. A tradição sapiencial judaica afirmava que a felicidade consistia na observância da lei. Porém, no Sermão da Montanha (Mt 5–7), Jesus apresenta uma justiça que não ancora no prazer do legalismo como os escribas e fariseus” (cf. Mt 6,20), mas aponta um novo caminho de prazer e alegria: “Alegrai-vos e exultai-vos” (cf. Mt 5, 12). 

Qual caminho? Façamos o caminho. Jesus atravessou as Águas do Jordão e indo para a região sofrida da Galileia foi ao encontro dos excluídos para dizer de sua proximidade, mas também para colocar em evidência que Deus confunde a lógica “de felicidade e meritocracia” deste mundo. Nem caminho  buscou cada pessoa com sua história de vida respeitando as subjetividades. Não impôs fardos pesados, mas foi ser suavidade (cf. Mt 11, 28-30).  Quis ser sinal de amor misericordioso deixando um exemplo a ser seguido (cf. Jo 13, 15s). 

Não começou o anúncio do Reino fazendo teologia dentro de palácios, nem nas “sacristias” das sinagogas ou do Templo. Não fez culto empresarial (porque Sua Igreja não é uma empresa), não chamou doutores formados na ortodoxia judaica, mas simplesmente fez teologia a partir das situações concretas da vida e chamou pessoas do comum, da vida cotidiana para fazer uma nova teologia: a teologia do Reino de Deus.  Essas premissas parecem ser irrelevantes, mas é a chave de leitura para compreender o ministério de Jesus e o anúncio do REINO. 

O Novo Testamento buscou contextualizar os ensinamentos de Jesus dialogando com as situações das comunidades. Portanto, não se pode ler a Palavra de Deus sem considerar os processos onde o verbo se encarnou: histórico-sociais-econômicos-políticos-religiosos-pessoais. 

O evangelho de Mateus foi escrito depois dos anos setenta (70 d.C) quando sua comunidade enfrentava dificuldades depois da traumática separação da Sinagoga. Lucas (+/- 85 d.C) descreve uma comunidade de fé nascente provocada pelas perseguições odiosas e de todo o tipo de Fake News (Lc 6, 22), mas fortalecida pelo Espirito Santo (cf. At 2, 1-13). João (+/- 100 d.C) rememora este fato dizendo: “Eles vos expulsarão das sinagogas” (16, 2). Percebam que os evangelhos surgem em contextos de muita intolerância (cf. Mc 3, 1-6), de banimento da vida pública e religiosa (sinagoga (cf. Lc 4, 14. 29. Jo 8, 59)), de mentiras, perseguições e ódio (inclusive dentro da família (cf. Lc 21 12-19)).

As Bem-Aventuranças põe em evidência toda essa situação e, para animar na fé as pessoas daquelas comunidades, proclamam que o Reino de Deus tem destinatários: são aqueles que, assim como Jesus, foram banidos por causa de sua radicalidade no amor. Portanto, não é um ensinamento abstrato e não pode ser interpretado ideologicamente nas fronteiras dos interesses dos grandes, dos ricos, dos charlatães da fé ou qualquer pretencioso, mas pelos próprios bem-aventurados: humildes, os perseguidos, os mansos, os misericordiosos… Eles entenderão a mensagem melhor do que ninguém.  

Dentro do perfil de cada comunidade as bem-aventuranças nos dão a entender as concretas situações de cada realidade, mas também a oportunidade de pensar nas situações de hoje. Por isso, a importância de ouvir e perceber aqueles que em torno de nós estão sendo “banidos” desta sociedade desumana: os índios, os idosos, os desempregados, as crianças, as mulheres, os que são tratados com ódio/deboches por causa da sua cor, de gênero, etnia, por sua condição social e financeira, etc. Inclusive perceber se a nossa maneira de fazer teologia, catequese, pregações, também não segrega e exclui. CUIDADO, pois nem todo aquele que fala no nome do Senhor, fala por Ele e com Ele. CUIDADO pois nem todos caminham na mesma lógica de Jesus. E como Ele mesmo disse: “nem todo o que diz Senhor…será salvo” (cf. Mt 7, 21). Há pessoas ardilosas, mesmo falando em Deus.

E o que nos diz as Bem-aventuranças que foram lidas hoje? “Felizes os pobres no espírito, porque deles é o Reino de Deus” (v. 3). Ou seja, o coração deles não tem amarras e, por isso, são capazes de repartir os bens com os outros e pensar numa sociedade justa e equitativa para todos!  

“Felizes os que choram, porque serão consolados” (v. 4). Os que choram são aqueles que padecem diante das injustiças.

“Felizes os mansos, porque receberão a terra por herança” (v. 5). São todos aqueles que estabelecem relações alicerçadas na não violência. 

“Felizes os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados” (v. 6). Aqueles que constroem um mundo no qual todos possam viver com dignidade, serão saciados com o Reinado de Deus! 

“Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia” (v. 7). Desses o Senhor não se esquecerá no juízo final: “Estive nu e me vestistes, faminto e me destes de comer, doente e fostes me visitar…” 

“Felizes os que promovem a paz, porque serão chamados filhos de Deus” (v. 9). Os promotores da paz são todos os que constroem laços de benevolência e fraternidade. Estes serão considerados filhos de Deus. Não se pode falar em Deus e promover a guerra.  

“Felizes os perseguidos por causa da justiça, porque deles é o Reino de Deus” (v. 10). Os perseguidos por causa da justiça são aqueles que buscam realizar a vontade de Deus, a instauração de seu Reino. 

A percepção do Reino exige uma resposta para uma metáfora/questão que temos colocado nestes últimos dias: “de que lado das águas do Jordão você está/se coloca?” Do lado da Galiléia dos pagãos (junto com Jesus e os bem-aventurados) ou do outro lado dos que não se permitem fazer o caminho de Jesus (Fariseus/ Doutores da Lei/ Sumo Sacerdote…)? De que lado do rio nossas comunidades eclesiais/lideranças estão fazendo catequese e teologia?  

Boa semana para todos!

Fonte: Paraibaonline

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