Depois da leitura das Parábolas do Reino (Mt 13), escutamos no evangelho de hoje (Mt 17, 1-9) um apelo vindo do alto: “Este é o meu Filho amado, no qual eu pus todo o meu agrado. Escutai-o!” (Mt 17,5).
“Escutar”, eis o apelo do Deus de Jesus ao seu povo. O “Shemá Israel”, que nossos irmãos judeus tanto repetem e veneram, esteve nos lábios de Jesus infinitas vezes ao longo de sua vida. O “Shema” não esteve apenas nos lábios, mas no jeito de ser de Jesus; por isso, Ele precisa ser ouvido não só no que diz, mas principalmente no que faz e na maneira como faz.
Jesus é o “Shemá” em sua mais pura essência. Embora pareça que tenha falado muito, sempre nos inspira uma etapa longa de sua vida (antes de seu batismo) na qual vivia uma vida normal, como todo bom judeu, cujo guia foi a fidelidade ao “Shemá”.
Jesus escutava seu Pai, na sua realidade social e religiosa (junto ao seu povo) e continuou escutando, após o seu batismo, em toda a sua missão.
Escutar é um ato libertador, arranca-nos da acomodação. Quem escuta põe-se em movimento. É conectar nossa vida com o pulsar de tudo e sentir que é preciso ser pessoa de travessia para outra margem, pessoa capaz de soltar para acolher, para abraçar e acompanhar. A escuta mais profunda se realiza a partir da quietude e do silêncio interior.
Ao escutar Jesus nos sentiremos movidos a romper com um estilo de vida egoísta à vivermos mais atentos à interpelação que nos chega a partir dos mais excluídos e desvalidos de nossa sociedade.
Jesus escutava as autoridades de seu tempo, mas sabia que o Pai já não falava através deles, pois eram perversos, interesseiros, maliciosos, duros de coração e de mente (como nos falou através das parábolas do Reino). Porém, Jesus deu muita atenção ao povo sofrido e excluído.
As atitudes de Jesus são todas elas frutos de um bom escutar o Pai e o povo. E a sua opção pelos pequenos e excluídos é um processo de maturidade do “Shemá” dentro de si.
Escutar os sem voz, até mesmo as vozes silenciadas pelo medo, silenciados pelos duros julgamentos dos “prudentes moralistas”, pela opressão, exclusão, violência, machismos…é dar aos irmãos a oportunidade de transfigurar.
Há uma tendência negacionista em nossos dias, não nos círculos acadêmicos, mas muito mais em algumas alianças que envolvem politica e religião, de silenciar o grito histórico das vitimas dos que “dos grandes e perversos”.
Há uma clara afronta ao que já foi construindo em favor do Reino de Deus (que é reinado do povo simples e excluídos). Por não saber ouvir ou por medo: não lhes damos voz, porque não são dos nossos, porque nos parece que não tem nada a contribuir, ou porque suas vozes diferentes das nossas nos ameaçam em nossas “seguranças”, porque nos deslocam e nos põem em dúvida, porque nos denunciam e desmascaram nossas mentiras pessoais, sociais, culturais e religiosas.
Na escola da escuta do evangelho é importante entender que os nossos ouvidos estão muito condicionados pelo nosso lugar social, racial, geográfico, familiar, ideológico. Jesus iniciou seu processo de escuta e missão a partir da Galileia…
A cultura da sinodalidade, vivida de modo tão bonito em muitas igrejas, pode ser excluída de nosso âmbito eclesial por nossa incapacidade de chegar ao diferente ou viver nos esquivando ao lado daqueles que procuramos seguranças afetivas (egoísta): “só dou ouvidos aos meus”.
É dessa realidade que pode nascer todo o tipo de problemas: autoritarismos, revanchismos, guetos, exclusivismos…etc..
Somos o que queremos ouvir. Eis a nossa (per)formação. Se como cristão a nossa opção passa em claramente defender a justiça do Reino: nos excluídos, nos pequenos e humildes….é sinal que estamos ouvindo a Deus: “na dúvida, fique com os pobres” (Dom Pedro Casaldáliga).
Efatá (abre-te), assim dizia o sacerdote, no dia do nosso batismo, tocando em nossos ouvidos. A autêntica conversão passa pelo “Shemá”. Aprendamos de Jesus que escutou a Deus e aos pequenos deste mundo. Eis a Teologia do Reino ensinada com palavras e os gestos de Jesus.
“Compreendestes tudo isso?” (Mt 13, 51).
Boa semana!
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