domingo, 8 de outubro de 2023

Padre Edjamir Sousa Silva: Os vinhateiros perversos

 



Neste domingo continuamos a ouvir as lições do Reino de Deus, contadas por Jesus, a partir das Parábolas da Vinha. O texto do evangelho (Mt 21, 33-43) deste XXVII Domingo do Tempo Comum é uma referência clara à alegoria da primeira leitura (Isaías 5, 1-7): uma vinha, um proprietário, uma lagar, uma torre, um grupo de trabalhadores chamados para cuidar bem da vinha…uma parábola.

Essa vinha está sob os cuidados daqueles que o Senhor escolheu. No tempo da colheita o Senhor envia seus servos para receberem os frutos. Mas, em muitos momentos, alguns servidores se alimentaram da ideologia de domínio sobre a vinha; resultando em brigas, contendas, espancamentos, apedrejamentos e morte. Ações hostis que até o Filho de Deus foi vitima brutal delas.

Na historia da Israel o Povo de Deus sempre foi manipulado por pessoas que se acharam donos dela, desde os que a invadiram (os imperadores) aos seus religiosos que, como diz o pastor Zé Barbosa Junior (Comunidade de Jesus – Campina Grande): “com suas técnicas de plantação, suas ‘teolovinhas’ quiseram impor suas ideias cruéis” (JUNIOR. Zé Barbosa. “Os donos da religião e as liberdade do Espirito”. Cebi. Reflexão do Evangelho Mt 21, 33-46. Em 05/10/2023).

É nítido o recado das parábolas da vinha aos religiosos e piedosos daquela época (e de todas as épocas) quando Jesus quis ensinar que o Reino de Deus não tem dono, a não ser o próprio Deus; Ele é o Senhor, mesmo nos chamando de amigos.

Os discípulos/amigos de Jesus devem se colocar na vinha como um povo que deve produzir frutos: “o Reino de Deus vos (…) será entregue a um povo que produzirá frutos” (Mt 21, 43). Os frutos do Reino são justiça e paz, amor e equidade, a benignidade e alegria. (Rm 14, 17).

Todo o povo de Deus deve cuidar da terra de modo que esses frutos apareçam, e observar onde eles estão brotando: estamos próximos das lutas das minorias (rejeitadas pela religião)? Como nos pronunciamos quando “os donos da religião” usam discursos de ódio contra uma parcela da população que quer seus direitos respeitados?

Não existe direito de Deus se não existe o direito de vida digna e liberdade ao ser humano. Não existe direito de Deus (norma moral) quando pessoas, ideologicamente má intencionadas, usam a Palavra (de modo descontextualizado) para perseguir espancar, apedrejar e excluir. Que o povo de Deus saiba: “A glória de Deus é o homem vivo e a vida do homem é a visão de Deus” (Santo Irineu de Lião, 202).

“Os donos da religião” sabem quando Jesus está falando deles, mas nem sempre estão prontos para a conversão e o arrependimento. Há um cinismo travestido de pompas, piedades excessivas, mercado religioso…

“Os donos da vinha/terra” também sabem quando Jesus está falando deles, mas no cinismo ideológico sempre encontram uma maneira de manipular, ter a posse de tudo, explorar, desmatar…

A genética espiritual do Pontificado do papa Francisco tem essa boa reflexão de que, mesmo sendo trabalhador da vinha, não é dono dela, não se pode usar a autoridade do serviço para disseminar toda a forma de injustiça. Em sua linguagem, o cuidado da vinha é uma responsabilidade de todos, pois somos Filhos do mesmo Pai e todos somos irmãos (Fratelli Tutti).

O papa Francisco tem sido uma voz que grita, entre os arranha-céus e as periferias do mundo contemporâneo, a conclamar por uma nova maneira de cuidar: “Já passaram oito anos desde a publicação da carta encíclica Laudato si’, quando quis partilhar com todos vós, irmãs e irmãos do nosso maltratado planeta, a minha profunda preocupação pelo cuidado da nossa casa comum. Mas, com o passar do tempo, dou-me conta de que não estamos a reagir de modo satisfatório, pois este mundo que nos acolhe, está-se esboroando e talvez aproximando dum ponto de ruptura. Independentemente desta possibilidade, não há dúvida que o impacto da mudança climática prejudicará cada vez mais a vida de muitas pessoas e famílias. Sentiremos os seus efeitos em termos de saúde, emprego, acesso aos recursos, habitação, migrações forçadas e noutros âmbitos”. (Laudate Deum, 2).

“Aos donos da religião”, exorta o papa Francisco, que em muitas situações a religião foi instrumentalizada: “o nome de Deus foi desonrado, na loucura do ódio (…). Quantas vezes o nome inefável de Altíssimo foi usado para indizível atos de desumanidade. Quantos opressores declararam ‘Deus está conosco’, mas eram eles a não estar com Deus” (DOMINGUES. Filipe. Papa critica o uso politico da religião e destruição ‘em nome de Deus’ na Hungria e na Eslováquia. Jornal O São Paulo, 23 de setembro de 2021).

O sopro do Espirito é livre, continuo e sempre nos convocando para produzir bons frutos que encha a terra de esperança, principalmente entre os bem-aventurados de todos os tempos, lugares e situações.

Como refletimos semana passada, não é o legalismo, mas o Espirito de Deus que nos torna conscientes de nossa atuação dentro da vinha. Ele faz perceber que o Reino de Deus está entre nós.

Como nos comportamos no serviço que Deus nos encarregou: temos a tendência de tratar os outros maus com o poder que nos foi dado? Qual a logística do meu ministério/serviço: dominar ou servir à justiça do Reino de Deus? Em nossas comunidades a espiritualidade do amor prevalece sobre a perversão das injustiças (a exclusão, a frieza, o deboche…)?

O Evangelho é sempre um convite à conversão: “Buscai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6, 33).

Boa semana e boa missão!

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