O ano litúrgico (ano A) que encerramos no domingo passado, com a Solenidade de Cristo Rei, nos fez entrar na comunidade do evangelista Mateus (70 d. C), com seus desafios e peculiaridades teológicas, e acompanhar o ministério de Jesus que anunciou ai a justiça do Reino.
O novo ciclo litúrgico (ano B) que se inaugura na Igreja a partir deste primeiro domingo do advento abre a leitura do Evangelho segundo Marcos (ano 60 d. C). E para a meditação eclesial, a liturgia propõe o texto de Mc 13,33-37, a conclusão do seu sermão escatológico.
A espiritualidade deste tempo nos convoca à esperança e a vigilância que tem como fim o Cristo. O Advento é espera e renovação do compromisso de tornar manifesto o Cristo que já veio e que permanece conosco (Mt 28, 20).
Nossa esperança não é alheia, pois não aguardamos a vinda de alguém desconhecido. Ao lermos os evangelhos e os textos que nos retratam a vida das primeiras comunidades cristãs entendemos a nossa esperança: “Eu sei em quem acreditei” (2Tm 1, 12). Jesus é aquele mesmo (Hb 13, 8) que sempre nos ensinou de modo concreto a “nova a aliança” (Jo 13, 34) e a partir do amor que nos ensinou, “fazer nova todas as coisas” (Ap 21, 5).
A mística do advento nos dá a certeza de que o Senhor, vencedor da morte e do pecado, virá em um momento definitivo, portanto, não é vã a nossa esperança. Mas também é uma esperança ativa, que nos torna atuantes no tecido social da vida aplicando os valores que libertam, salvam e trazem vida ao povo.
Nesse horizonte, alimentados pela Palavra de Deus, aprendemos a nos arriscar com o gosto de (mediante os desafios e hostilidades do mundo) que é possível recomeçar a vida, e fazer tudo de modo renovado. E isso é possível por que o Espirito de Deus, que sopra onde quer, mas sempre na linha do testemunho de Jesus, nos encoraja a refazermo-nos.
A esperança na vinda do Senhor mobiliza as pessoas e comunidades a assumirem um papel importante de tornar sempre mais visível à presença do Senhor através do serviço. Essa mensagem liga o contexto do evangelho de domingo passado e deste (escatologia), onde é preciso abrir os olhos e reconhecer Deus no pequenino (Mt 25, 31-46).
A doutrina cristã que nasce da própria vida de Jesus (palavras e gestos) é o conteúdo de uma autentica vigilância, sem arrodeios, sem devocionismos ideológicos e tradicionalistas (cheios de fabulas e fantasias) ou teologias do medo (com finalidade de assombrar, enrijecer pessoas em pautas morais) a fim de levantar em nossas comunidades os tribunais de julgamentos e condenações (Lc 6, 37).
Depois destas especificidades do tempo do advento, podemos avançar na compreensão do evangelho de hoje.
A catequese marcana (cap. 13) situa-se no sermão escatológico chamado “apocalipse de Marcos”. Apocalipse significa revelação. Não se trata de catástrofes, mas da consolação do fiel, do povo, da humanidade por Deus. É uma espécie de literatura de um vasto campo simbólico para transmitir uma mensagem de ânimo e de esperança em tempos de crise e de desolação.
A literatura apocalíptica não é uma futurologia, mas é essencialmente um convite poético do Deus da Vida à resistência, a continuar amando, pois o povo que “conheceu” a Deus o conhece não por vias de leis, preceitos, códigos doutrinais e as modinhas de exterioridade religiosa, mas por simplesmente amar: “Quem ama conheceu a Deus” (1Jo 4, 8) e “é conhecido por Deus” (1Cor 8, 3). Esse é o elemento interpretativo que o Espirito de Deus faz perceber da Plenitude da Verdade.
Falar das situações do tempo presente, mas anunciar a intervenção de Deus e mantendo assim no povo na esperança, a vigilância e a firmeza é o objetivo do discurso de Mc 13.
Marcos (cap. 13) ensina a vigilância com vistas à nova vinda de Jesus, que quer encontrar os seus ocupados com as coisas do Reino, sobretudo a caridade fraterna diante da hostilidade do mundo que persegue, oprime e mata.
É importante esclarece que os discípulos não são perseguidos pelo clichê de seres simplesmente cristãos (há muitas pessoas sem nenhuma sintonia com o evangelho de Jesus se apropriando desse discurso), mas por que a mensagem do amor causa rupturas com o mundo velho: egoísmo, interesses mesquinhos, injustiças, prudência maquiavélica, etc…
Ao interno do texto, Jesus se serve da imagem do sono (dormir) para ilustrar a condição do discípulo que não está respondendo ao projeto de Deus através de uma vida empenhada e frutificada nas boas obras, no serviço e no amor fraterno, que constituem a espera ativa e sempre pronta que é a vigilância. Não basta aderir à fé, mas é preciso comprometimento com o Reino.
O discípulo é chamado à “abrir os olhos” e não esperar que outros resolvam os problemas para si; ou mesmo realizem aquilo que cada um tem a capacidade de fazer (Mt 13, 1-13). A comunidade é esta casa de servos, onde cada um deve realizar aquilo que recebeu para fazer, enquanto espera a vinda do dono.
O Fim de tudo é o próprio Senhor. Não ao fim enquanto término, mas enquanto completude, plenitude. Jesus é a plenitude para a qual tudo e todos se encaminham. Com o advento do Cristo, o Fim, delimita-se o fim da história de injustiças, opressão, de lutas contra o mal. Assim, é o fim deste mundo. Não é necessariamente o fim da humanidade, mas sim a instauração definitiva da comunhão entre a humanidade e sua história com Deus: o novo mundo, o novo céu e a nova terra, o reinado de Deus, onde Deus será tudo em todos (1 Cor 15, 28).
E nós, esperamos no espírito do amor ou estamos na sonolência de uma vida sem compromisso com os pequenos?
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