A liturgia da Palavra neste final de
semana (Sir 3, 3-7. 14-17a (gr. 2-6. 12-14); Sl 127 (128);
Cl 3, 12-21; Lc 2, 22-40) nos coloca dentro da Festa da Sagrada Família de
Nazaré. O Deus do Amor se fez carne no seio de uma família e tornou-a
instrumento de amor.
O Evangelho de Lucas tem um colorido
muito especial quando traz as narrativas da infância. O autor apresenta três
casais justos e obedientes à Lei de Deus. Zacarias e Isabel (1,5-25); José e
Maria (1,26-27 e 2,1-24); por fim, Simeão e Ana (2,25-38).
A família de
Nazaré é uma referência de fé, de fidelidade aos mandamentos, de vivência
religiosa, mas não está isenta de dificuldades: Maria fica grávida antes de ela
e José conviverem, portanto, antes da efetivação do matrimonio, e José não é o
pai consanguíneo do Menino Jesus. Com toda essa e outras mais complexidades, sem
a fé, Maria ficaria em maus lençóis. Desde cedo, Maria soube que a vida não lhe
traria tempos nem fáceis nem sossegados.
Como outras
famílias, andam com a casa às costas, de Nazaré para Belém, de Belém para o
Egito, foragidos, e do Egito para Nazaré. Na adolescência de Jesus, ainda que
confiando no filho, Maria e José deixam-no para trás, perdendo-o, uma situação
embaraçosa e preocupante para a família.
Passados
quarenta dias do seu nascimento, Maria e José levam Jesus à cidade santa de
Jerusalém, ao Templo, para O apresentarem ao Senhor: “Todo o filho primogênito
varão será consagrado ao Senhor”. A Família
de Nazaré vive a fé do seu povo e cria espaços para Deus, no altar do coração e
no lar, sabendo que com Ele nada perdem e tudo tem luz e sentido.
Na Casa de
Deus, o velho Simeão, acolhe em seus braços o Menino e, ao ouvir os fatos que
vem acontecendo com Ele, e à luz das profecias, confirma o mistério: “Agora, Senhor, segundo a vossa palavra,
deixareis ir em paz o vosso servo, porque os meus olhos viram a vossa salvação,
que pusestes ao alcance de todos os povos: luz para se revelar às nações e
glória de Israel, vosso povo”.
O
evangelista apresenta Simeão como um homem justo e piedoso: “O Espírito Santo lhe revelara que não
morreria antes de ver o Messias; e veio ao templo, movido pelo Espírito. Quando
os pais de Jesus trouxeram o Menino, para cumprirem as prescrições da Lei no
que lhes dizia respeito, Simeão recebeu-O em seus braços e bendisse a Deus”.
Também Ana,
uma profetisa, se encontra no Templo, louva a Deus, falando acerca deste Menino
a todos quantos esperavam a libertação de Jerusalém.
Com a bênção
vêm o compromisso, a responsabilidade e um aviso: “Este Menino foi estabelecido para que muitos caiam ou se levantem em
Israel e para ser sinal de contradição e uma espada traspassará a tua alma
assim se revelarão os pensamentos de todos os corações”.
Jesus é a
luz para se revelar às nações, gloria de Israel, salvação, mas é também um
sinal de contradição. Em sua chegada os grandes, os enrijecidos, os perversos
hão de cair; mas os pequenos e os humildes que sempre foram tratados maus, vão
ser erguidos.
Jesus é
apresentado como sinal de contradição, mesmo assim é acolhido. Ninguém é igual a
ninguém e cada um carrega em si as suas potencialidades ou fraquezas. Portanto,
Jesus encontra no seio de uma família um espaço de acolhimento.
Na figura de
Simeão e Ana, símbolos da esperança veterotestamentaria, Ele também encontra
lugar no abraço destes. Em meio às contradições que se levantará contra muitos
Ele encontrará nos excluídos, como figura de seu próprio destino, um lugar no
coração deles.
Quando o
evangelista Lucas diz que “o menino crescia em sabedoria, estatura e graça” é
que Ele encontrou um lugar seguro onde pudesse expandir sua personalidade.
“Como se sente segura uma pessoa quando se sente amada”. (Sigmund Freud). Isso
nos é familiar?
Jesus é a
Luz. E alguém “luminoso” é instrumento de bênção, de alegria e festa, mas
também gera inveja, ciúmes e irritação.
O aviso de
Simeão a Maria não deixa margem para dúvidas “uma espada de dor a trespassará”.
Maria e José sabendo que o filho estará exposto sofrerão junto Dele, ainda que
a confiança em Deus lhes permita prosseguir com o “sim” que assumiram. A dor do
filho é sempre a dor dos pais (cf Rm 12, 15. 1Cor 12, 26).
Acompanhando
o evangelista teremos notícias de Jesus por volta dos 12 anos, passagem
simbólica e religiosa à idade adulta, e, posteriormente por ocasião do início
da vida pública. Nesses trinta e poucos anos, Maria, José e Jesus vivem numa
pequena periferia de Israel, com outros familiares e vizinhos, numa vida
normal, participando das alegrias e tristezas da comunidade. Antes de Jesus
iniciar a sua vida pública, são José terá morrido, uma vez que, depois dos 12
anos, não temos mais notícias dele.
Independentemente
das características que tenha adquirido ao longo do tempo a família continua a
ser alicerce, fundamento, baliza para uma sociedade saudável. É um lugar de
equilíbrio onde se cria espaços seguros de desenvolvimento, segurança,
identidades, valores e comportamentos, talentos, criatividades e limites.
É a partir
da família que a pessoa se envolverá na sociedade. A família, a rua, a tribo, o
bairro são grupos que promovem, facilitam e tornam possível a integração, a
inclusão, a convivência saudável, o sentido de pertença, a casa ou refúgio de onde
se parte e onde se regressa.
Como é
bonito uma família que enfrenta desafios juntos. Quando todos se acolhem e
respeitam nas suas diferenças. Como é bonito uma família que ajuda a outras
famílias, sendo sinal de corações alargados, pois o amor não se fixa em laços
consanguíneos e muros de restritas ideologias de famílias tradicionais.
O amor não
vive à sombra de castas e aristocracias. Eis ai um mal-estar no ministério de
Jesus que ainda hoje é sinal de contradição. Na Família de Nazaré se ensinou a
amar a todos, sem exceção. Será este o valor real cultivado nas nossas famílias
e ensinado nos nossos templos?
Nesse ultimo final de semana de 2023 quero desejar a todos um ano de
muitas motivações, inspirações, realizações na graça de Deus. Que possamos
redescobrir a cada dia a nossa razão de ser/estar neste mundo.
Que não falte a ninguém as boas oportunidades de crescer e progredir.
Que cada um assuma a sua existência no perfeito vinculo do amor com Deus,
consigo mesmo e com o próximo. Que ninguém prejudique a ninguém, que sejamos
felizes e façamos a outros felizes.
Cessem as rivalidades, o ódio, as injurias, os preconceitos, as guerras
e os conflitos insanos. Que a amizade (familiar e social) construa novos
espaços de uma boa convivência com a toda a criação de Deus. O mundo precisa de paz.
Feliz Ano Novo!
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