segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Padre Edjamir Sousa Silva: Transgredir para que o amor vire lei

 



Em todos os tempos e culturas as doenças sempre foram um mistério. E coisas que só pelo fato de não seguirem padrões de normalidade cultural ou religiosa, atribuímos erroneamente ao campo das patologias.

E quando se descobriu uma nova patologia (física ou psíquica) as reações sempre foram diversas: desde alguém que quer compreender para melhor se comprometer até aquelas que negam (negacionismo) e, agindo pela ignorância, preferem simplificar o mundo e as pessoas criando estereótipos (LIPPMANN. Walter. Opinão Pública, 1922).

Desde as culturas mais antigas as religiões exerceram um papel “medicinal”, mas, por vezes, faziam uma “exegese” dura e desumana. Vejam o que diz a catequese judaica em relação a lepra; “andar com roupas rasgadas, despenteados (…) e gritará: impuro, impuro (…). Viverá separado e morará fora do acampamento” (Levítico 13, 45-46).

O livro do Levítico (primeira leitura) apresenta o homem atingido pela lepra como um intocável, um morto-vivo. Esse homem perdia toda a sua dignidade. Chamavam-no pelo nome da sua doença: o leproso. O evangelho de hoje começa dizendo: “Um leproso chegou perto de Jesus“ (Mc 1, 40). 

O enfermo de lepra perdia todos os seus bens, sua casa, as suas pertenças. Devia morar fora dos ambientes habitados (Lv 13, 46). Não podia entrar em contato nem com a sua esposa, seus filhos, seus pais, seus amigos. Quando uma pessoa não tem mais contato com ninguém, é um morto-vivo. 

Para ter certeza de que ninguém se aproximaria dele, o leproso devia andar desfigurado (Lv 13, 35). E, para evitar proximidade devia levar uma campainha no pescoço para advertir que ele estava no entorno. 

Recordo que certa vez alguém me dizia (em sofrimento psíquico) que estava chateado com um colega de trabalho por lhe dizer: “se quiser chamar a atenção coloque uma melancia na cabeça” (sic). Os nossos verbetes denunciam o quanto somos despreparados e desumanos. Em ambientes hostis, às vezes, é salutar retirar a pessoa de um convívio para que suas feridas sejam curadas (cf Sl 1). 

Ainda em relação ao texto, a lei proibia severamente o leproso de abordar as pessoas, pois era preciso evitar não só a proliferação da doença, mas também a impureza. VAMOS ISOLA-LO, ELE ESTÁ DOENTE. Para além da prudência que a ciência medicinal nos educa aqui se fala mesmo do abandono. E aqueles que foram um dia abandonados, encontram em Deus um refugio (cf. Dt 31, 6. Sl 27, 10. Sl 34, 18. Is 53, 3. Mt 5,4ss. Lc 6, 21ss).

Então, percebam que no evangelho, há uma infração da lei: o leproso aproxima-se de Jesus: “pediu de joelhos: ‘Se queres, tu tens o poder de me purificar’” (Mc 1, 40). É todo um ato de fé; ele se confiou à vontade de Jesus: “Se queres”. Além do mais, ele não pede a cura, mas primeiro a purificação, isto é, a reinserção na vida comunitária. O leproso quer recobrar a sua dignidade humana para estar ao lado de pessoas que lhe façam bem.  

Mas, há outra coisa que o evangelho de Marcos nos diz neste final de semana, Jesus também transgrediu a lei: “tocou nele e disse: ‘Eu quero, fique purificado’” (Mc 1, 41). É a purificação e a inclusão na comunidade: “No mesmo instante a lepra desapareceu e o homem ficou purificado” (Mc 1, 42). Transgredindo a lei aquele que era identificado pelo seu mal: o leproso, se tornou alguém: o homem. Isso significa que a exclusão desumaniza. 

Assim escreve um exegeta francês: Para Jesus, o Amor que ama é sempre capaz de transgredir todas as proibições. O Amor será sempre mais forte que a regra, Sempre mais urgente que a regra”. (Jean Debruynne), No fundo, incluir, reintegrar, liberar, despertar a esperança de alguém por Amor, é dar-lhe de novo a vida, é fazê-lo renascer.  

O EVANGELHO ENSINA QUE O PREÇO DE AMAR É SER CRUCIFICADO. ALGUEM TEM DUVIDA DISSO? Por outro lado, no amor não há temor (1Jo 4,18).

Porém, é preciso dizer que Jesus segue uma regra da época, envia-o para lhe mostrar ao sacerdote, pois são os sacerdotes os que podem reintegrar às pessoas excluídas da comunidade (Mc 1, 44). Como é bonito ouvir isso: OS SACERDOTES TEM A FUNÇÃO DE REINTEGRAR AS PESSOAS EXLCUÍDAS. 

A Constituição Dogmática Lumen Gentium (Concilio Vaticano II), recordando 1Pd 2, 9-10, exorta que o sacerdócio não é apenas o do sacramento da ordem, mas é aquele primordial do qual toda a igreja é revestida (sacerdócio comum dos fieis). EM CONSONÂNCIA COM O EVANGELHO DE HOJE, DIZEMOS QUE A MISSÃO DA IGREJA É DE REINTEGRAR AS PESSOAS QUE UM DIA FORAM EXCLUÍDAS.   

Agora, é Jesus que se torna leproso (cf Is 53, 4-5), isto é, impuro, rejeitado e excluído por alguns, só pelo fato de acolher as pessoas (cf. Mc 1, 45). Mas, também, por outro lado, o evangelista acrescenta: “E de toda parte as pessoas iam procurá-lo” (Mc 1, 45). Se por alguns era odiado, por muitos, Jesus, era amado.

O EPISÓDIO DO EVANGELHO DE HOJE NOS DIZ ALGO DO CORAÇÃO DE DEUS. Jesus se moveu pela compaixão, isto é, ele ficou tocado até as entranhas. Aquele leproso entrou primeiro no coração de Jesus. De lá, vieram às ações do Senhor: estende a mão e o toca. O AMOR VIRA LEI. Jesus recria a relação que a Lei tinha rompido. É a única maneira de curar. E o evangelista acrescenta: “para que seja um testemunho para eles (Mc 1, 44).

A experiência eclesial nos ensina que ainda temos muito que aprender com Jesus, pois quantos de nós, revestidos do múnus sacerdotal instituído (ou comum dos fieis), usamos o privilegio do poder para abrir feridas nos outros: ora somos tão narcisistas, ora tão perversos: EU SOU A LEI. 

O testemunho eclesial também nos ensina que muitas leigas (os), consagradas(os), freiras, frades, seminaristas, diáconos, padres, bispos, papa….dão testemunho excelente de que gostam de cuidar das pessoas. Eles sofrem pelo sofrimento e exclusão dos outros. Por isso, são rechaçados. 

A Diocese de Campina Grande, no seu ano jubilar, celebra esse testemunho vivo: temos muita gente boa dentro das nossas comunidades. 

Nesse dia mundial da saúde, rezemos por tantos profissionais e cuidadores que se dedicam amorosamente aos enfermos. Peçamos ao Senhor, pela intercessão de Nossa Senhora de Lourdes, que nos seja concedida a saúde de corpo, de mente e de espirito. E a graça de curarmos em nós todo e qualquer tipo de preconceito, para poder sentir o outro com o coração (misericórdia) e não com a Lei. 

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