No
evangelho de domingo passado (Mc 2, 23-3,6) Jesus reinterpretava a Lei ao dizer
que “o homem não foi feito para o sábado, mas o sábado foi feito para o homem”
(2, 27) e concluía atribuindo para Si mesmo a competência de dar o autêntico entendimento
das coisas: “O Filho é Senhor do sábado” (v. 28).
A
interpretação dada foi de que a liberdade, o bem e a dignidade humana estão no centro
da compreensão da Lei de Deus. Santo Irineu de Lião (+202) dizia que “a glória
de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visão de Deus”.
Essa
compreensão mais humanista da Lei de Deus rendeu muito Mal-Estar frente às
autoridades religiosas ao ponto do evangelista dizer que “imediatamente
tramaram, contra Jesus, a maneira de como haveriam de mata-lo” (Mc 3,6).
No
evangelho deste domingo (Mc 3, 20-35) encontramos Jesus numa casa, ambiente
familiar, cercado por uma multidão, mas ainda se este o clima pesado de domingo
passado ao ponto da família de Jesus entrar em cena: “Quando souberam disso, os
parentes de Jesus saíram para agarra-lo, diziam que estava fora de si” (v. 21).
“Está
fora de si”. Essa opinião dos parentes nos deixa perplexos e o espanto aumenta
quando, junto com um grupo de irmãos, também está sua mãe (v. 31). Eles têm
bons motivos para estarem preocupados com Jesus. Faz meses que Ele saiu de casa
(provavelmente ser dar muita notícia).
Em
Nazaré (lugar onde também Ele causou Mal-Estar) chegaram noticias
contraditórias sobre sua atividade em outras regiões: alguns falam bem dele,
outros não, pois não concordam e não admitem com o jeito dele e com o que ele
diz.
Para
à sua época, Jesus foi aquele “jovem mente aberta e madura” que sempre
preocupou e preocupa as famílias mais tradicionais, como também aos pregadores
que anulavam a vontade de Deus em função de tradicionalismos (cf. Mc 7, 8-13.
Mt 15, 6). MAS, JESUS NÃO CEDE AO MEDO E AO ANACRONISMO, MESMO DIANTE DAS PRESSÕES.
A
família chega onde Jesus está morando, encontram-No falando para sua “nova
família”, mas não entra. Ele é que deve sair, querem levá-lo de volta para
Nazaré. Em sua “nova morada”, o Mestre aponta as condições exigidas para poder
fazer parte da sua família: “escuta-Lo melhor, compreender e fazer a vontade de
Deus” que O enviou. Quem ficar de fora desta sua “nova casa” (deste conceito
mais amplo de família), mesmo que seja parente biológico, não é nem seu irmão.
Os
parentes que ficam do lado de fora são aqueles que mesmo que cresceram com ele,
entretanto, ao ouvi-Lo a pedir uma nova mentalidade, um jeito mais humano da
interpretação da lei de Deus, preferiram “ficar fora disso”.
Muitos
cristãos mesmo estando geograficamente “dentro” preferem “ficar de fora” porque
não levam a sério as exigências do evangelho e vão levando uma vida sem nem
perceber o que Jesus está ensinando. Por vezes, nos assusta que muitos que
estão envolvidos com tantos atos de piedades (estão dentro), mas são tão
desumanos e interesseiros (estão fora).
O
Mal-Estar se prolonga quando o texto (vv. 22-30), inserido entre a saída e a
chegada dos parentes de Jesus, apresenta outro grupo de pessoas (Escribas)
querendo desestabilizar Jesus. Estes vieram de Jerusalém para levar novas
acusações contra o Senhor: está possuído por um demônio e suas obras são
realizadas com a ajuda do demônio. Jesus esclarece que não é possível que o
demônio esteja tão divido assim.
O
inimigo de Deus é inimigo do homem. Tudo o que ele faz é contra a vida, a
liberdade e a felicidade do homem. Jesus realiza obras que contrariam as obras
do mal; por isso, o que Ele faz não vem do demônio. A afirmação do Senhor nos
oferece um critério de interpretação importante para avaliar quando uma pessoa
está do lado de Deus ou aliado ao demônio. Quem age em beneficio do ser humano:
veste um nu, socorre os doentes, sacia a fome, não faz discriminação de
pessoas, não exclui, trabalha pela dignidade de todos, não busca privilégios, é
assim que se está do lado de Deus.
Muitas
pessoas se assustam diante das injustiças (tão próprias do maligno) presentes
em nossas cidades, nas igrejas, nas rodas de amigos, em nossas famílias e em
nós mesmos. Quantas vezes nos surpreendemos com tantos discursos de ódio, de xenofobia,
racismos ou mesmo o ódio por questões de gênero (dentro desses ambientes). E
quando alguém propõe algo novo, há uma tentativa de impedi-lo, pois o julgam
está fora de si ou com um demônio.
É
dentro desse contexto de Mal-Estar e de tensão entre o legalismo e ação do Espírito
que o Mestre diz “todos os pecados serão perdoados, exceto de blasfêmia contra
o Espirito” (v.v. 28-30). Os fariseus acusavam Jesus de blasfêmia contra a lei
de Moisés, mas Jesus diz que blasfêmia é fechar-se ao Espirito (ao Amor).
É
preciso prestar muita atenção, pois não é muito difícil cometer este pecado. O demônio pode nos envenenar, por isso, temos de
estar sempre vigilantes, deixando-nos conduzir pelo Espírito Santo. Fechar-se ao evangelho pode ser um caminho para as
“blasfêmias contra o Espirito”. Perseguir quem faz o bem ao próximo e viver
numa frenética politica de desmoralização do outro é sinal de um coração
atrofiado e fechado aos designíos de Deus.
Não
tenhamos a “Síndrome de Nazaré” ou a “Síndrome dos Fariseus” de achar que só
nós pertencemos à família de Jesus (o clubinho dos eleitos exclusivos). Parece
ser estranho dizer isso, mas é fundamental dizer que, cuidado para não usarmos
a devoção a Maria em nome de uma proposta piedosa desvinculada do evangelho ou fazendo
oposição aos valores do evangelho. Lembre-se que tornar-se irmão, irmã, mãe de
Jesus é ter a ousadia de viver a liberdade do evangelho e ir além. Sigamos o
conselho da Mãe de Deus: “Fazei tudo o que meu Filho vos disser” (Jo 2,5).
Boa
semana!
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
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