domingo, 16 de junho de 2024

Padre Edjamir Sousa Silva: “O Reino de Deus é como se...”

 



Nos dois últimos domingos do Tempo Comum escutávamos as controvérsias sobre a interpretação da Lei e o anúncio do Reino de Deus (cf. Mc 2, 23-3, 6. 3, 20-35): Do legalismo à ação do Espirito. Agora escutamos Jesus falar deste Reino anunciado por Ele em Parábolas (cf Mc 4, 26-34).

Jesus é uma pessoa ligada a terra/vida. Seu ministério e seus ensinamentos demonstram Sua preocupação com esse lugar teológico: “Deus amou tanto o mundo que deu o seu Filho (...)” (Jo 3, 16ss).

“O Reino de Deus é como se...” (v. 26). Jesus surpreende ao falar do Reino por meio de comparações simples e fácil de um bom entendimento: uma semente, uma atitude, um chão, um tempo. A terra e a semente são organismos vivos, por isso, não deve preocupar tanto aquele que semeia, pois sabe que ali tem vida e existe um forte potencial de muitos frutos.

A semente já carrega em si, como organismo vivo, a plenitude daquilo que produzirá no tempo certo. O homem a semeia e se ausenta, pois a terra frutificará. A origem e o fim estão na semente. A terra é o útero que acolhe.  

O Reino é a obra de Deus que completa misteriosamente sua criação, contando com a colaboração do homem, mas não apenas, pois a graça de Deus atua até mesmo quando o homem dorme. Nós cristãos nos comprometemos a trabalhar a serviço do Reino, a preparar o campo para que receba a semente. E Deus fará crescer sem que a gente perceba em lugares e formas que não podemos imaginar. Por isso, somos guiados pela fé, como diz Paulo na segunda carta aos Coríntios. 

Todos os dias somos provocados pelo mundo em seus muitos desafios. A parábola de hoje se aplica aos muitos processos de maturação existencial. Em todos os campos da vida humana há novidades, avanços, desafios e a idéia de superar todos os limites, em defesa de uma pretensa liberdade, colocada muitas vezes antes da pessoa, da vida, da dignidade.

Têm-se acelerado os avanços técnicos, os meios de comunicação social, a mecanização da agricultura, os meios mais eficazes de locomoção, a medicina, a indústria. A vida está largamente facilitada. Todavia, há o avesso da moeda: o acúmulo de bens por parte dos ávidos empresários e a exclusão social; a exploração do trabalho (sendo crescentes os casos de trabalho análogo à escravidão); comércio facilitado de armas e tráfico de pessoas e de órgãos humanos; a preferência pela guerra e o ódio ao em vez da paz.

Uma população que já não acredita mais em nada e as tristes escolhas de representantes/lideres que sem compromisso com a vida e o bem comum se tornam propagadores de hostilidades com o intuito de desestabilizar a fraternidade em nome de ideologias (politicas e religiosas) extremas de ganância e ódio. Além do imenso desafio de dar acesso à habitação, à cultura, à educação, a muitos que vivem abaixo do limiar da pobreza.

O Papa Bento XVI falava (24/04/2005) nos desertos exteriores que se multiplicavam no mundo: as guerras, a escolha pela violência e a fome. E nos desertos interiores que se acentuavam com a perda de sentido: dúvidas sobre se vale a pena viver, cansaço, havendo cada vez mais pessoas a não saber qual o seu lugar no mundo.

Nesses contextos é importante dizer também que a semente do Reino plantada no coração do mundo e do ser humano faz o individuo “saber de si” em Deus.

Às vezes, o mundo tem suas noites escuras e não apenas três dias, mas longos processos de espera. Santa Teresa de Calcutá questionou muitas vezes a Deus no confronto com uma realidade avassaladora de miséria, de exclusão, de sofrimento “inocente”.

Santa Teresinha do Menino Jesus deparou-se com a doença “mortal”, reclamando muitas vezes com Deus, assim como fez Jó: que mal tinha feito para que Deus permitisse tão grande sofrimento? As respostas nem sempre são claras e vezes trazem muitas novas perguntas. Para Santa Teresinha, a esperança pode falhar, a fé em Deus também, mas o caminho seguro para Deus sempre será o amor. Assim ela com a sua “noite da fé”, sujeita as muitas interrogações, mas não vacilando na hora de amar Jesus em cada pessoa a cuidar.

A bondade de Deus convoca-nos à vida e nos sustenta neste mundo que Ele nos deu como chão/casa, mas implicando-nos na transformação de todas as realidades que estejam longe do reino de Deus que não é apenas uma realidade futura, mas está aqui, na história e no tempo.

Jesus encurtou as distâncias que nos separam de Deus e da eternidade. Ele mesmo veio viver conosco. Não veio viver por nós, mas viver como um de nós. Assumindo-nos, para que com Ele possamos aprender, crescer, e O assumamos na nossa vida, criando as condições para que a semente em nós semeada possa germinar.

Lembrem-se: “A menor de todas as sementes (...) mas, depois de semeada, começa a crescer” (Mc 31, 31-32). Trabalhemos para que o Reino de Deus aconteça. A Oração Coleta de hoje diz: “Deus misericordioso, fortaleza dos que esperam em Vós, atendei propício as nossas súplicas; e, como sem Vós nada pode a fraqueza humana, concedei-nos sempre o auxílio da vossa graça, para que as nossas vontades e ações Vos sejam agradáveis no cumprimento fiel dos vossos mandamentos”.

Boa semana!


Edjamir Silva Souza

Padre e Psicólogo

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