domingo, 21 de julho de 2024

Padre Edjamir Sousa Silva: A fé e dialética dos afetos

 


A capacidade de surpreender-se faz nascer o filósofo, o amigo da sabedoria (aquele que desperta o desejo de explorar novos horizontes), mas também o fazer nascer um bom cristão.

O que acontece quando alguém não se surpreende/encanta com mais nada? Cai na indiferença (patológico) e vem o tédio (do latim taedere = estar cansado, não gostar de algo). O tédio está muito próximo de outro sentimento que é a nostalgia que sempre nos empurra para um armário (um afeto reprimido), para um passado.

Com essa idéia do surpreender-se entramos no texto do evangelho proposto para este domingo (Marcos 6, 30-34).

Os discípulos retornam da missão e querem se reunir com Jesus para dizerem o que viram, o que fizeram e o que ensinaram (v. 30), Porém, Jesus provoca uma nova saída. A dinâmica da missão não se sustenta apenas nos “retiros”, “reuniões” ou “isolamentos”, mas é no ir ao encontro com os outros que alimenta ainda mais a arte do surpreender-se e do compreender o Reino.

Na perspectiva da missão o texto diz que no caminho “Jesus viu uma numerosa multidão e teve compaixão, pois eram como ovelhas sem pastor” (v. 34).

“Ter compaixão”. No seguimento de Jesus é fundamental a dialética dos afetos. É a partir “da linguagem afetiva” e não “da linguagem angelical” (cf. 1Cor 13, 1ss) que compreendemos a dinâmica do Reino.

Jesus surpreende a muitos, pois seu modo de “estar”, de se “relacionar”, de “expressar afetos” com as pessoas não são pelas vias de um catecismo, uma normatividade canônica (legalismo) ou uma autoridade autoritária, mas pela linguagem do coração.

Nesse sentido, a fé aproxima pessoas, ela não é incolor, vive-se no sorriso, na palavra, no gesto, num aperto de mão, num afago, numa selfie. A fé não é uma coisa estranha que nos isola ou nos eleve acima dos demais. A fé dialoga com os aFÉtos (1Ts 5, 23).

Em Jesus alcançamos sabedoria para o tempo: tempo para alimentar o corpo (não adianta pregar para estômagos vazios), tempo para refletir, tempo para orar, para dormir, para dar sentido à vida, para estar com o outro.

A fé compromete-nos na transformação nossa e do mundo, na luta contra as injustiças, na promoção das pessoas e na inclusão dos mais frágeis. A fé nos leva a escutar a Palavra da Vida e não a palavras cheias de superstições e coisas abstratas.

Na linguagem da 1ª leitura (Jr 23, 1-6), No canto do Salmo (23/22). Na 2ª Leitura (Ef 2, 13-18) e no Evangelho (Mc 6, 30-34) é nos apresentado a figura do Bom Pastor que apascenta as pessoas para o caminho da vida, mas os maus pastores levam as pessoas a uma existência cheia de ilusão, no caminho da morte, ou seja, “a própria morte os apascenta” (salmo 48 (49), 15).

O conteúdo dos ensinamentos de Jesus era o Reinado de Deus. Seu método não consistia em explicações descritivas a respeito desse mistério, e sim na vivência dele entre as pessoas. Isso atraía a multidão, cansada de tantos discursos vazios. Por isso, trata-se de um ensinamento “novo”, como de quem tem “autoridade” (Mc 1,27). A existência humana de Jesus era a explicação do Reinado de Deus “com gestos”.

“Ai dos pastores” (Jr 23, 1), “ai de vós” (Mt 23, 23ss) e “ai de nós” se concentrarmos nossa vida  apenas, nos surpreendendo com o que temos e conquistamos e esquecermos de “olhar”, “surpreender” e ter “compaixão” dos outros. Seremos cobrados pela apatia e nossas indiferenças para com o próximo.

Nossa existência se enriquece quando temos um coração mais sensível. O mundo no qual vivemos estão repletos de pessoas que vivem como “ovelhas sem pastor”, sem maiores sentidos de vida, sem propósitos nem objetivos.

Não somos apenas uma carne para cuidar, ou uma alma para salvar, mas somos seres humanos vivos, livres, cheios de desejos, de transcendência.

Às vezes, Jesus nos convida a ir a um lugar tranquilo, sereno, para conversar sobre isso, para reencontrar a beleza da vida: pensar na luta dos trabalhadores, jovem em busca de oportunidades e de compreensão, no esforço de muitos por justiça social. Quanta coisa boa para perceber em nós e no nosso meio.

Não sejamos demasiadamente ocupados com uma vida vazia. A compaixão preenche o coração e dá um novo fragor à existência!

Boa semana!


Edjamir Silva Souza

Padre e Psicólogo


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