A passagem
do evangelho deste domingo (Mc 8, 27-35) corresponde ao coração do evangelho de Marcos. Já próximo do
fim de seu ministério, Jesus se encontra em Cesareia de Filipe. Cesareia estava
ao norte, e havia ali o santuário de Panias, lugar dedicado ao deus pagão Pan (uma
figura mitológica/deus hibrido: metade homem/metade bode).
O local também era conhecido como porta para o hades, para o encontro
com as divindades e o transcendente. Era o local onde os pagãos jogavam, no
rio, seus sacrifícios ainda vivo. O sinal de que os “deuses” aceitaram a oferta
sacrifical era ver as águas límpidas e sem sangue. Caso contrário, o sangue da
vítima correria pelo rio. Pessoas de muitos lugares do Oriente Médio iam para
lá oferecer sacrifícios.
Naquele momento eram substituídas as falsas divindades e os falsos
cultos pelo verdadeiro Deus. Um templo verdadeiro (cf. Jo 2, 21.), um Deus de
verdade (cf. Mt 18, 20. Jo 1, 1. 13, 13. 1Cor 6, 11. 12, 3. Rm 10, 9. Atos 8,
16; 19, 5), trazendo uma Nova Aliança (cf. Lc 22, 20). Dos rios que passavam
por ali emanava a morte, mas do coração de Jesus, um rio de água viva (cf Jo
19, 34).
Ele é o
servo da primeira leitura (Is 50, 5-9a) que fez de sua vida um serviço à vida. Não sacrificou
ninguém como oferenda, mas se sujeitou ao sacrifício que lhes impuseram e fez
dele o “sinal eficaz” e o ponto alto de sua vida para a salvação do mundo. Ele não
um milagreiro das igrejas “pesque e pague”, mas o Filho de Deus que nos ensinou
O CAMINHO DA VIDA.
Não é por acaso que Jesus levou Pedro (e outros discípulos) para este
lugar. É nessa região pagã que Jesus pergunta aos seus discípulos quem ele é. E,
mediante a fé de Pedro, Jesus define o seu posto na comunidade e entrega-lhe as
chaves da Igreja.
Na segunda
leitura (Tg 2, 14- 18), reaparece a
temática da fé. Tiago questiona a comunidade de Jerusalém: “que adiante dizer
que tem fé, quando não a põe em prática” (v. 14). Já tem algum tempo que
estamos ouvindo, na liturgia dominical, o apóstolo levantar alguns aspectos
práticos da fé cristã. Ele escreve para judeus convertidos ao cristianismo.
Semana passada ele nos alertava (cf. Tiago 2,1-5) que as comunidades devem acolher a todos, sem fazer discriminação de
pessoas por causa de posição social ou prestígios, pois Deus não faz isso.
Hoje, ele nos alerta contra uma fé teórica ou cheia de emoções e sentimentos
bonitos chamando isso de estéreo, morta e vazia (v. 17). É morta porque NÃO
EXISTE. Para Tiago, fé e obras se relacionam intrinsicamente. A salvação só é
capaz quando a fé está corroborada com as obras do Reino de Deus. Paulo diz que
a fé opera pela caridade (cf Gl 5, 6.13).
Com um pouco de atenção e interesse, recordamos que Paulo disse (Rm 3,
28) “Julgamos que a pessoa é justificada pela fé, sem a prática da Lei”. Vejam,
parece que Paulo diz uma coisa e Tiago diz outra. Como entender isso? Os dois
estão falando de assuntos diferentes.
Na carta aos Romanos, Paulo combate os cristãos judeus (fariseus
convertidos) que queriam que todos os cristãos cumprissem as obras da Lei de
Moisés. Essa questão se estende também nos Atos dos Apostolos, na Carta aos
Gálatas... Eles queriam que as comunidades cristãs guardassem o sábado (e não o
domingo), queriam que não comessem a carne de porco, não tivessem contato com
pessoas todo tipo (questão de pureza). Era uma fixação tamanha na Lei de Moisés
que causaram problemas sérios nas comunidades.
Paulo indaga estes fariseus “convertidos ao cristianismo” refletindo com
eles que quem nos salva é Jesus e não a Lei de Moisés. Caso contrário, pra que
Jesus veio se já tinha a lei? Na teologia e espiritualidade paulina a pessoa se
torna justa e santa diante de Deus na fé em Jesus, porém, crendo em Jesus, devemos
procurar a vida sacramental e a prática da vida cristã, como nos diz Tiago.
Se Paulo reclama da fixação na lei de Moisés (para os recém-chegados na
vida cristã), Tiago fala das questões práticas da vida cristã (para aqueles que
já estão na comunidade). Mas, os dois, falam das obras do Espirito que devem
sustentar a vida cristã: “Amor, alegria, paz, paciência, amabilidade,
felicidade, mansidão, domínio próprio, bondade (...)” (Gl 5, 22-23) . NÃO ESTÁ
NA BIBLIA A IDÉIA DE QUE NOS SALVAMOS “SÓ PELA FÉ”. Isso é um entendimento
errado dos textos.
“Só pela fé” é uma reação contra o
legalismo farisaico que estava se
expandindo em algumas comunidades cristãs onde alguns queriam que voltassem às
observações da Lei de Moisés. Em Gl 2,15-16, Paulo diz “somos judeus de
nascimento e não pecadores vindo do paganismo, sabendo que não se é justificado
por observar a lei de Moises, mas por crer em Jesus Cristo, nós também
abraçamos a fé em Jesus Cristo”.
Em relação à Lei de Moisés, estamos livres (cf Gl 5, 1), não temos mais
compromisso com o sábado, mas com o domingo, podemos fazer transfusão de sangue
para salvar a vida de alguém, podemos ter imagens representativas, pois já
passou as rédeas da Lei de Moisés. Aos Colossenses (2, 16-17), diz o apóstolo:
“Que ninguém vos condene por questões de comida, bebida, de festa ou lua nova
ou sábado. Tudo isso é sombra do que havia de vir. A realidade é o Corpo de
Cristo” (2, 16-18). TUDO FOI REVISTO, EM CRISTO.
Portanto, Tiago fala das obras autênticas que o cristão deve realizar
como fruto da sua vida de fé. São obras realizadas não na lei de Moises, mas no
Espirito de Jesus. Os cristãos estão dispensados de se ornarem com trechos das
escrituras no corpo (e mesmo de levar a Bíblia debaixo do braço como um
marketing religioso), pois a vida nova no Espirito deve ser escrita no coração
de quem crer (no jeito de ser do cristão) e não em exterioridade, tão famosa em
nossos dias. NÃO EXISTE MODA GOSPEL, EXISTE VIDA NO ESPIRITO DE JESUS.
E o que é fé cristã? Em primeiro lugar, é acreditar que Deus existe.
Segundo, ter fé é aceitar no Evangelho que é Jesus (cf. 1 Cor 15,1 -3/ Tt.
/1Tm. /Jd / 1,2,3 João). Terceiro, confiar no Senhor e viver nas Suas obras. O
cristianismo não é uma religião só de conversas e sentimentos, não vale nada
isso.
Quem quer viver na vontade do Senhor, tome consciência de que a fé é um
principio de justificação que acompanha as obras no Espirito. A fé abre a porta para um modo de viver
diferente.
São pessoas vazias de Deus aquelas que dizem “Senhor, Senhor (...)”,
“Ide em paz”, ou ainda, “Deus te abençoe”, “vou rezar por você”, mas não ajudam
o irmão naquilo que lhe é necessário para a arte do bem viver. Tiago apóstolo
já nos ensina que a fé em Jesus ajuda a alimentar o corpo... a lutar pela
dignidade humana...o respeito pela vida/criação, pois só assim, se alimenta e
amadurece a alma.
Não
adianta dizer que crer, mas viver maltratando ou agindo com indiferença: “ainda
que eu tivesse uma fé ao ponto de remover montanhas, se não tivesse caridade,
nada seria” (1Cor 13, 2). Então, mostra-me a tua fé?
Boa
Semana!
Edjamir Silva Souza
Padre
e Psicólogo.
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