Neste
inicio do mês da Bíblia, a liturgia nos pede que acolhamos com humildade a
Palavra de Deus e cultivemos uma fé que sensibilize o coração, para que pulse
em sintonia com o coração divino.
A
liturgia de domingo passado nos convidava a tomar uma decisão de seguir Jesus,
o Filho de Deus. Na ocasião, tomávamos consciência de que a Eucaristia (Corpo e
Sangue do Senhor) é comunhão com o estilo de vida anunciado por Jesus. Portanto,
comungar é decidir por Jesus.
A
Liturgia da Palavra neste domingo exalta a Lei do Senhor (Dt 4, 1-2. 6-8/ Sl
14(15)/ Tg 1, 17-18. 21b-22.27/Mc 7, 1-8. 14-15. 21-23) como um instrumento que
guia a espiritualidade de comunhão com a “vida divina”.
Em
hebraico a palavra Torá (Lei) não é traduzida como uma norma ou um conjunto de
preceitos frios, mas uma palavra de carinho, um indicador que o Deus de Israel
aconselha e educa no caminho da vida. Como instrumento pedagógico da vida
espiritual, a lei não é uma palavra antipática que limita nosso querer (Ás
vezes, tão soberano). As leituras apresentam a Lei de Deus como algo positivo,
pois colocam o fiel em união com o Senhor, consigo mesmo e com os outros.
Na primeira leitura (Dt 4, 1-2. 6-8) compreendemos que Deus quis um povo livre e
provocou a maravilha da libertação da Escravidão do Egito. Em terras da
liberdade, o povo deveria zelar pelo dom da liberdade e da justiça. A lei que
lhes foi dada, nas Planícies de Moab, constitui a possibilidade de que a
libertação continue sendo desejada e vivida por todos.
Em
nossos dias, a palavra liberdade parece deslizar em um duplo movimento:
liberdade humana e liberdade econômica. De um lado, o desejo humano em ser
respeitado e dignificado nas liberdades individuais e minorias. Do outro, o
sistema de produção econômico e capitalista (neoliberal), defendido pela uma parcela
empresarial, que sobrepõe à ideologia dos interesses econômicos acima da
dignidade humana.
Vale
apena resgatar a pergunta bíblica: “a quem quereis servir?” (cf Josué 24,
15-24/ Dt 30,19 / Lc 16, 9-15).
Na
segunda leitura (Tg 1,17-18.21b-22.27), o apóstolo recomenda que, com humildade, se acolha a Palavra que
foi anunciada, capaz de salvar (v. 21b).
A Palavra é Cristo, que habitou entre nós (Jo 1,14). É necessário cumprir, por meio da prática, a Palavra, não como meros
ouvintes. Ser
praticantes da palavra implica abraçar as obras da caridade e da justiça (v. 27).
Depois
da crise vivida por Jesus na Galileia (cf. Marcos 6), quando o Senhor entrou na
Sinagoga de Nazaré e foi hostilizado, encontramo-nos
com o relato deste domingo (Mc 7, 1-8. 14-15. 21-23), que contextualiza as
controvérsias com os fariseus e mestres da lei. Eles percebem que os discípulos
de Jesus não seguem o rigorismo das tradições e comem sem lavar as mãos (v. 2).
O
capitulo 7 de Marcos apresenta Jesus ensinando os discípulos a partilharem o
pão, Ele estava preocupado era com a fome do povo, mas os fariseus e os
escribas estavam preocupado com os detalhes rituais, Não estavam preocupados
com a fome do povo, por isso se distanciavam do serviço para não se sujarem e
se tornarem impuros no contato com os outros. JESUS ROMPE COM A LEI DO PURO E
DO IMPURO.
Jesus
já tinha observado que eles tinham vindo de Jerusalém espionar o comportamento
Dele e dos seus discípulos. Também sabia da obsessão com as regras de pureza e
o legalismo com as minunciosidades. Jesus já sabia que a qualquer momento
haveria um choque entre Ele e a interpretação que estes leigos piedosos e
radicais (fariseus) faziam da Lei.
“Hipócritas (...), respondeu
Jesus” (v. 6). Ele recorda um texto do profeta Isaías, que já tinha certa força
critica a determinados comportamentos da vida religiosa de Israel. Quantas
vezes já ouvimos alguém acusar assim, outra pessoa, por qualquer desafeto. Mas,
o que é hipócrita?
No mundo grego, a
palavra Hipócrita era referida ao âmbito do teatro. Ela falava do ator que,
para representar um personagem no palco, ele às vezes, usava uma máscara, ou
seja, a pessoa real (com uma historia real/personalidade) se escondia atrás
desta máscara assumindo outra personalidade, a do personagem. Por causa de seu
trabalho ele assumia outros personagens.
Do âmbito do teatro
essa palavra hipócrita acabou assumindo um sentindo de algo falso, que se
insinua escondendo suas verdadeiras intenções. Algo que desvirtua a verdade. Esta
é uma critica dura que Jesus devolve aos seus críticos: os fariseus (leigos
piedosos) e os mestres da lei. Jesus os acusa de abandonarem o mandamento de
Deus (vontade de Deus) para seguirem tradições humanas (modo de interpretar),
modelos (i) morais fechados e de fachadas.
As tradições, em
principio, como forma de interpretação da lei de Deus não é algo negativo.
Todos nós estamos buscando entender a vontade de Deus e tentando colocá-la em
prática, da melhor maneira possível. A questão é se a interpretação fecha as
possibilidades de vida, dissimula, colocando as pessoas num contexto de tamanha
rigidez e indo além da vontade divina. A consequência disso é deturpar a
vontade de Deus e criarmos uma experiência religiosa que não é uma experiência
de fé salvífica e comprometida com Deus. É apenas uma imagem de uma religião do
rigor, dos mestres e não de Deus.
O
povo vivia acuado com estes preceitos e eram obrigados a viverem desconfiados
de tudo e de todos. Agora, em Jesus, tudo mudou. Estar bem e puro diante de
Deus não eram mais necessários às observâncias daquelas normas todas da tradição
dos antigos. FOI UMA LIBERTAÇÃO.
Com esta nova
perspectiva anunciada por Jesus as primeiras comunidades cristãs encontravam
horizontes de saída para se difundir o evangelho. O essencial da lei era
mantido, mas o secundário era posto em segundo plano (ou mesmo deixado de
lado). A pureza não é o que digerimos, mas aquilo que desenvolvemos dentro de
nós (exatamente do coração).
É a partir do
coração que aprendemos a nos vincular com Deus. As tradições que vamos criando
devem nos aproximar do projeto de Deus e não desviar do essencial: amar a Deus
e ao próximo. Uma tradição que desumaniza o outro, não é divina.
Testemunhar Jesus
exige um esforço de nós de irmos se libertando de tradições secundárias, de
esquemas humanos, comportamentos, concepções... que fomos criando e nos
apegando e olharmos para o que é mais importante.
“A religião pura e
sem mancha diante de Deus Pai é esta: assistir os órfãos e as viúvas em suas
tribulações e não se contaminar pelo mundo”, diz o apóstolo Tiago (1, 27).
Por fim, é preciso
estar atentos ao que o papa Francisco nos ensinou e que está em consonância com
a exortação de São Tiago: “esconder-se atrás de formas externas de
devoção, correção litúrgica, ortodoxia radical, de modos sempre corretos, de
estar sempre em ordem, mas para proteger a própria busca de segurança e
benefício pessoal”, isso é mundanismo espiritual.
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
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