domingo, 17 de novembro de 2024

Padre Edjamir Sousa Silva: - Fiel nas desolações

 



O Livro do Profeta Daniel foi escrito num período trágico. Israel viveu uma dura opressão por parte de Antíoco IV Epifânio (dinastia selêucida / 215 a.C 215 a. C). Um homem perverso e ímpio que obrigou ao povo judeu a viver como os pagãos (helênicos). Profanou o Templo de Jerusalém colocando bem no centro uma estátua de Zeus: “uma abominável desolação” (cf. Dn 9-11).

Semana passada ouvíamos uma história semelhante (1Rs 17, 10-16) quando o rei  Acab (+-900 a.C) e sua esposa Jesabel (filha do Rei de Damasco) devotos de Baal propagaram a devoção à esta divindade e colocaram uma estátua de Baal dentro do Templo na Samaria. Naquele tempo, o povo de Deus na Samaria inclinou seu coração ao deus da prosperidade (Baal) e fechou seu coração em busca das riquezas do mundo.  

Antíoco IV vai mais além, pois ainda mandou queimar os livros da Lei (tão difícil de serem reproduzidos). Ele queria que os judeus oferecessem culto aos deuses pagãos. Nesse período, muitos judeus abandonaram a fé, por causa da pressão contra eles. Mas, também, outros se questionavam quando surgiria um mundo novo e o que aconteceria com aqueles que não renegaram a própria fé e foram condenados à morte?

Para consolar o povo, o autor resgata uma história, dos tempos de desolação com a invasão dos Babilônicos, de três jovens que viveram no cativeiro (+- 597 a 538) e foram levados a fornalha. A mensagem era para dizer ao povo atual que aqueles três jovens foram fiéis (cf. Dn 3).

“Naquele tempo se levantará Miguel” (Dn 10, 1). O nome Miguel significa “quem como Deus?”. Ai está a chave de leitura deste texto: Deus está acima da opressão e desolação. O juízo de Deus – na intervenção do Arcanjo Miguel – trará justiça e consolação. Dai que, o povo entendeu que Deus não os abandonou.

Quando lemos e relemos estes textos cheios de simbologia vamos tomando consciência de seu sentido pleno, que vai além do sentido literário. A Igreja lê um texto que diz “naquele tempo” (sentido literal), mas que produz consolação a todos os filhos de Deus em todos os tempos e lugares (sentido pleno).

O povo do texto original é de uma época (sentido literal), mas está aberto ao sentido pleno na vida da igreja. São Gregório, magno, dizia que a Escritura cresce com aquele que a “escuta” e “ler”. É O SENTIDO PLENO QUE VAI ALÉM DO LITERAL.  

É importante dizer que a Palavra de Deus não é propriedade de interpretação subjetiva, mas o Espírito dá a Palavra à Igreja: “Sabei que nenhuma profecia da Escritura provém de intepretação pessoal, sabendo primeiramente isto (...)” (2Pe 1, 20). É a Igreja que prega a Palavra da Profecia para ser luz a brilhar em tempos de penúria e escuridão; por isso, é a Palavra a trazer luz: “Quem tem ouvidos escute o que o Espírito diz à Igreja” (Ap 2, 10-11).

Vivemos em tempos em que pessoas fazem todo o tipo de interpretação das profecias no intuito de manipular as pessoas e gerar nelas medo e subserviência. Nas redes sociais, quase sempre encontramos pessoas a dizer todo o tipo de bobagem tido como revelações. Há relatos de gurus a dizer que Jesus as leva, semanalmente (ou diariamente), ao inferno para saber quem está por lá: “meio que uma fofoca gospel”.

É preciso ter muito cuidado com tudo isso, pois a Palavra de Deus foi escrita para gerar esperança no coração das pessoas e não o medo que enrijece a Boa Nova do Reino.

“Miguel se levantará” (Dn10, 1). Ele é o defensor dos filhos de Deus que “sofrem como que em dores de parto” (Rm 8, 22). Vejam, as dores da vida, as perseguições, a fome, a exclusão, a exploração...Deus assumiu para redimir no seu projeto de amor (cf Lc 18, 7). O texto é para que os de coração bom não se cansem da bondade diante do comportamento dos maus. Os que tiverem ensinado o caminho da justiça, brilharão como luzes por toda a eternidade.

O texto evangélico de hoje (Mc 13, 24-25) é uma parábola para alertar aos cristãos da necessidade da perseverança na oração e na prática do bem.  A perseverança fará com que os filhos de Deus, atravessando os dias de desolação, vejam a justiça divina acontecer.

“Quando o Senhor voltar, encontrará fé sobre a terra?” (v. 8). Essa pergunta se atualiza em nós (é para mim e para você). Quando olhamos à nossa volta, ficamos com a ligeira impressão de que a humanidade está a caminho de um futuro menos rico de fé, e cada vez mais ligado aos bens pessoais.

Os sinais do Reino de Deus estão sempre baseados na justiça e na misericórdia (v. 8). A defesa dos pequenos é sempre um gesto profético. Mais do que curandeiros, a igreja precisa de profetas.

“O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passará” (Mt 24,10 ). Jesus não determina o dia e a hora do fim. Muito menos semeou esse discurso entre os seus. E tomara que os cristãos de hoje se cansem dessas profecias catastróficas para perceber o que Jesus está a nos dizer.

É importantíssimo saber ler os sinais dos tempos e viver intensamente o momento presente, como se fosse o ultimo momento, mas sem a compulsão hodierna que gera muito mais lucro sem se comprometer com a vida e vida digna das pessoas. Os sinais passam, mas a Palavra de Deus não.

Na carta aos Hebreus (10, 11-14. 18) o autor nos lembra do sacrifício de Cristo como único sacrifício capaz de apagar todos os nossos pecados, coisa que os sacerdotes da Antiga Aliança não conseguiram. A eucaristia atualiza o sacrifício de Cristo não só no altar das nossas igrejas (quando celebramos com tanto zelo), mas também no altar da vida de muitos que são vitimas de uma cultura de “não vida” e “muita exploração”(sacrifícios inúteis).

No Dia Mundial dos Pobres fiquemos atentos as lutas justas de nossos dias, em favor dos pobres e excluídos, e nos empenhemos como Bem aventurados do Reino de Deus: “a ter fome e sede de justiça”.

Sagrado Coração de Jesus, temos confiança em vós!

Boa semana!

Edjamir Silva Souza

Padre e Psicólogo.


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