Terminado o Tempo do Natal iniciamos o Tempo Comum.
Na liturgia, voltamos a usar a cor verde que nos faz lembrar a virtude teologal
da esperança. E porque Teologal? “Teo” que vem do grego (theos= Deus) e “telos”
(fim ou propósito) relacionado ao fim ou propósito divino. É teologal porque nos põe em relação ao Criador.
É importante entender que a esperança cristã é
muito mais do que um pensamento positivo: “tudo vai dar certo, acredite!”. E se
as coisas não saírem conforme esperamos, vamos abandonar Deus? CUIDADO AS
PREGAÇÕES CHEIAS DE MARKETING RELIGIOSO.
A fé teologal é a crença em Deus e em suas revelações. A chave
de leitura dessas suas revelações é a Aliança. Deus fez uma aliança com a
humanidade a partir de Abraão e, desde então, é fiel. Mas, a humanidade nem
sempre foi fiel ao seu Criador.
Na Sagrada Escritura a metáfora do
casamento é usada para descrever a relação de amor de Deus com suas criaturas.
A Palavra de Deus (Antiga e Nova Aliança) nos convida a entrar nessa história
de amor que Deus se dispõe a construir conosco.
Muitos profetas, como Isaías, reclamam
que o povo traiu o amor de Deus. Durante o exilio da Babilônia Judá foi muito julgada
e comparada como uma prostituta que as pessoas não iriam conhecer mais seu
valor. Segundo a trama, à medida que o povo vai voltado para o Senhor o profeta
vai dizendo que Deus está se re-encantando.
E eis um hino de amor. Esse novo
amor de Deus vai ser trabalhado em tons de uma Nova Aliança, na metáfora do
Evangelho de hoje: um casamento, um novo amor, uma nova paixão., pois assim,
“eterno é seu amor” (Salmo 135 (136), 1b).
“Em Caná da Galileia” (Jo 2, 1). Os leitores do evangelho devem ficar atentos
aos lugares teológicos da manifestação de Deus.
Belém (casa do pão) foi lugar do
acolhimento do menino Jesus e sua família e lá a Luz de Deus brilhou. O Rio
Jordão foi o lugar da outra manifestação de Deus (e não o templo de Jerusalém)
no batismo de Jesus. Agora, a liturgia nos leva a Caná da Galiléia.
Os desertos e as montanhas sempre
foram lugares de grupos refugiados considerados como rebeldes e subversivos que
se opunham ao estilo dominante em Jerusalém e dos romanos. Caná, da Galiléia, é
uma região montanhosa.
O evangelista João situa o primeiro
sinal de Jesus nessa localização e faz parecer ser um incentivo ao povo para
continuar a resistência contra o legalismo dos fariseus e a exploração do
Império Romano.
Natanael, amigo de Filipe, Era de
Caná da Galileia. E Jesus faz um elogio a Natanael, muito bonito, dizendo: “Ai
vem um israelita de verdade, um homem sem falsidade” (Jo 1, 46-47). Mas,
Natanael ainda tinha muito que aprender com Jesus. Ele era uma pessoa que, com
suas feridas, ainda carregava seus muitos preconceitos: “De Nazaré pode vir
alguma coisa?” (Jo 1, 46). Será o próprio Jesus a transformá-lo: de “água a
vinho novo”.
O que ocorre em Caná é um protótipo do que irá
acontecer a partir de então. Há um fato corriqueiro, uma celebração que reúne
amigos e familiares. Temos uma festa em que as pessoas estão celebrando a vida,
e é nesse lugar que o vinho começa a faltar.
A literatura Sapiencial diz que “o vinho é sinal
do amor e da bênção de Deus” (cf. Ct 1,2; 8,2). Então, a falta de vinho seria uma
referência ao risco da falta de amor? Em Caná, lugar da resistência aos poderes
hostis do mundo, lugar bonito de fraternidade (imagem de outros tantos lugares
semelhantes e da própria humanidade), começa a faltar o amor?
Aqui reside outra informação importantíssima. A
chegada de Jesus, Verbo que se fez carne, inicia um novo tempo na história
humana. É a nova e definitiva aliança entre Deus e a humanidade. A falta de
vinho é entendida como a caducidade da Antiga Aliança. E isso vai ficando
evidente quando lemos os evangelhos e todo o Novo Testamento.
Quem percebeu isso? João diz que a mãe de Jesus
percebe que a Antiga Aliança não está sendo suficiente para trazer vida às
pessoas. É uma mulher, uma mãe, que percebe a falta de vinho em meio à festa da
vida.
Maria é aquela que representa o povo fiel às
promessas de Deus. É a primeira a reconhecer em Jesus o Messias, por isso que
ela vai lhe apresentar essa grande dificuldade: “Eles não têm mais vinho” (v.
3). A cena evidencia a situação de pobreza, sofrimento e vazio dos filhos de
Israel.
Os sinais de Jesus são realizados em espírito colaborativo
que envolve muita gente: “Os servos devem encher os jarros” (v. 7). As jarras
com água eram usadas para o ritual de purificação. As jarras para o ritual de
pureza lembram a Lei de Moisés, o código da Antiga Aliança. Havia seis jarras,
um número incompleto/imperfeito. A idéia de mudança “da água para o vinho” é semelhante
a cena de domingo passado: “Eu batizo com água, Ele com Espírito e Fogo” (Mt 3,
11ss).
“Eles não
sabiam de onde veio” (Jo 2, 9). No
o evangelho de João (cap´s 5 e 8) ouvimos a comunidade judaica dizer: “nós
sabermos de onde Moisés veio, mas esse ai nós não sabemos de onde veio”. Há uma
incapacidade de reconhecer Jesus como Messias. Em todo o evangelho de João
encontramos o testemunho de que Jesus é o Verbo de Deus que se fez Carne.
O leitor do Evangelho de João sabe de onde Jesus
veio, pois encontra o testemunho de que “Palavra que estava junto de Deus
(Jesus) veio ao mundo em nossa humanidade”. Mas, as estruturas do mundo não
reconheceram.
“Guardastes
o vinho bom até agora” (Jo 2, 10b). Essa é plenitude dos tempos e a
manifestação da gloria de Deus. O salmo 104 (105), 5 diz “e vinho que lhe
alegra o ânimo”. O vinho está associado ao tempo Messiânico futuro, em Marcos
14, 25 Jesus diz “até o dia em que vós bebereis de novo no reino de Deus”. Ou o
tempo da Salvação quando Jesus fala: “o
noivo está presente e eles não podem fazer jejum” (Mc 2, 19).
“Em Caná,
Jesus manifestou a glória de Deus”
(Jo 2,11). O que é a glória de Deus? É Deus que se faz presente. No AT temos
muitos textos que falam desse sinal. O profeta Isaías viu a glória de Deus no
templo e disse: “santo, santo, santo” (Is 6, 3). Então, a glória de Deus é a
presença Divina entre os homens. Agora, essa glória foi manifestada em Jesus
Cristo: “A Palavra se fez homem e acampou entre nós. Contemplamos a sua glória
como Filho de Deus único do Pai, cheio de lealdade e fidelidade” (Jo 2,14).
“Enchei
as talhas. E encheram-nas até a boca” (Jo
2,7ss) é a imagem da vida em abundância persente em Jesus Cristo: “Eu vim para
que todos tenham vida em abundância” (Jo 10, 10).
A plenitude da história, na qual vivemos, nós
celebramos aquilo que é definitivo na história da humanidade. Esse primeiro
sinal, assim como os demais ao longo do evangelho de João, vão nos levar ao
ultimo, o sinal da paixão, morte e ressureição, como o sinal pleno deste amor
esponsal.
Os sinais de um mundo desumano são frequentes e
indicam que estamos sendo “empurrados” pelos novos fariseus e por impérios
gananciosos sem o compromisso com a vida em abundância “para todos”, mas apenas
com o lucro acima de tudo. Há uma geração que se curvou a tudo isso e não sabe
mais discernir os autênticos sinais de Deus. Não deixemos que o vinho do amor
se acabe. Que a Mãe de Deus interceda por nós.
Feliz Tempo Comum. Boa semana!
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O conteúdo do comentário é de inteira responsabilidade do leitor.