A liturgia desde
domingo é um convite a acender dentro de
nós uma reflexão sobre o chamado de Deus. A Palavra desafia nossa generosidade, enfatiza o compromisso com a vida, a aceitação
de nossa própria indignidade e a transformação
que ocorre quando nos entregamos a uma vida
fundamentada em caminhos de amor e de justiça.
Na 1ª Leitura (Isaías
6,1-2a.3-8), escutamos o chamado do profeta Isaías em meio a uma teofania: “vi o Senhor, sentado num trono alto e sublime (...) À sua
volta estavam serafins de pé, que tinham seis asas cada um e clamavam
alternadamente, dizendo: ‘Santo, santo, santo é o Senhor do Universo. A sua
glória enche toda a terra!’”. (v.v.1-3).
O profeta enquanto dialogava com Deus, percebe que Deus está lhe
chamando para um serviço e nesse mesmo diálogo apercebe-se de sua indignidade:
uma pessoa muito frágil, mas coloca-se a serviço, respondendo-O com muita
convicção: “eis-me aqui, podes me enviar” (v. 8). A fragilidade e a indignidade do
profeta, assim como de qualquer um que Deus chamar para o seu serviço não são
obstáculo para o Deus que tudo pode.
Cada um de nós tem o seu lugar e o seu papel no projeto que
Ele tem para o mundo e para os homens. É Deus que, de acordo com critérios que
só Ele conhece e define, escolhe quem quer, chama quem quer e envia quem quer.
A nossa “história de vocação” é a história de como Deus vem ao nosso encontro,
entra na nossa vida, desafia-nos para a missão, pede uma resposta à proposta
que nos faz.
Na 2ª Leitura (1ªCoríntios 15,1-11), o apóstolo Paulo recorda aos cristãos de Corinto a “Boa Notícia” que lhes
anunciou e que eles acolheram com fé.
A cidade cosmopolita de Corinto era, no séc.
I, um dos grandes expoentes da cultura grega. Paulo passou lá durante a sua
segunda viagem missionária. Os valores culturais gregos, que os coríntios
cultivavam com orgulho, vão constituir um contraponto aos valores do Evangelho
que Paulo anunciava. O choque entre essas duas realidades está particularmente
evidente em algumas das temáticas que Paulo julgou útil tratar.
Algumas dificuldades aos
cristãos de Corinto era a questão da ressurreição. A ressurreição dos mortos
era relativamente bem admitida no judaísmo (menos entre os saduceus), pois era
comum ver o ser humano na sua unidade; mas isso era um problema sério para a
mentalidade grega, pois a cultura grega, fortemente influenciada por filosofias
dualistas (como a filosofia de Platão) que viam no corpo uma realidade negativa
e na alma uma realidade ideal e nobre, recusava-se a aceitar a ressurreição do
homem integral. Como poderia o corpo - essa realidade material, carnal,
sensual, que aprisionava a alma e a impedia de subir ao mundo ideal, ao mundo
luminoso dos espíritos – seguir a alma?
É dentro desse contexto que alguns cristãos de Corinto diziam
que “não há ressurreição dos mortos” (1Cor 15,12). Outros faziam perguntas “com
que corpo os mortos regressam à vida?”. Paulo considera “insensatas” (cf. 1Cor
15,35). Portanto, o apóstolo decide abordar esta questão para esclarecer e
ajudar todos os membros da comunidade a purificar a sua fé do dualismo vigente:
corpo e alma: “E o mesmo Deus da paz vos santifique em tudo aquilo que sois:
espirito, alma e corpo, sejam conservados para a vinda de nosso Senhor Jesus
Cristo” (1Ts 5,23).
Para justifica a doutrina da ressurreição do corpo, Paulo
lembra a ressurreição de Jesus e cita seis aparições: “a Pedro e depois aos
Doze; em seguida apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais
a maior parte ainda vive, enquanto alguns já faleceram; posteriormente apareceu
a Tiago e depois a todos os Apóstolos”; em último lugar, apareceu ao próprio
Paulo, embora ele se considere o mais indigno de todos os apóstolos (vers.
5-9).
Paulo testemunhou que Jesus, depois de morrer na cruz, lhes
apareceu cheio de vida; e elas tornaram-se testemunhas de que a morte não tinha
derrotado Jesus. Foi precisamente essa “Boa Notícia” que Paulo transmitiu aos
cristãos de Corinto e que eles acolheram pela fé.
Os cristãos de Corinto poderão fazer a mesma experiência com
Cristo ressuscitado. Para isso, deverão escutar as Escrituras, deixar-se
iluminar pelo Espírito, acolher a tradição da Igreja. Então, ao longo do
caminho, encontrarão com Jesus, vivo e ressuscitado.
No Evangelho (Lucas 5,1-11), Jesus encontra-se nas margens do Mar
da Galileia, rodeado por uma grande multidão que viera “para escutar a Palavra
de Deus” (v.1). Nas margens do Mar da Galileia situavam-se diversas cidades,
como Cafarnaum ou Tiberíades.
Cafarnaum era a cidade onde Pedro e o seu irmão André residiam. Jesus, depois
de ter estado algum tempo com João Batista no deserto de Judá, residirá em
Cafarnaum.
Jesus é escutado por alguns que estão mesmo ao lado d’Ele (v.
1). Sobe então para um dos barcos, o de Simão Pedro, um pescador que Jesus
conhece bem (cf. Lc 4,38-41) e pede-lhe que afaste um pouco o barco da margem. Assim
como na 1ª leitura, o Senhor está sentando e, dali, começa a falar às pessoas
que o escutam da margem da vida (v. 3). Ele parece um rabi que, sentado na
sua cátedra, instrui os seus discípulos; mas a sua cátedra é um humilde barco
de pescadores.
Do ensino, Jesus passa à ação, à pesca. Simão, contudo,
coloca objeções à pretensão de Jesus: ele e os companheiros estão cansados.
Apesar de tudo, Simão decide acolher a sugestão de Jesus. Confia nas
palavras de Jesus.
Há um detalhe no texto, Jesus começa a trabalhar no momento
que eles acabaram de terminar, no momento em que desistiram pensando que seria
tarde e que o fracasso era real, ao menos naquele dia. Mas, a Palavra de Jesus é mais forte que todas as suas evidências, mais certa
que as suas dúvidas, mais imperativa que o seu desânimo.
Quando Deus age na vida da gente, tudo se torna possível; o mais difícil
é se deixar conduzir. Simão está apenas no início de suas surpresas. Frente
a esse sinal, como ele
reage? “Afasta-te
de mim, porque sou pecador! (…)”. Este é outro detalhe neste texto, Simão imagina que
devemos colocar distância entre o homem indigno e Deus que faz maravilhas. È
mais uma forma de dualismo que é superado em Jesus Cristo. Pois, Deus, que é o
outro, também quer ser o muito próximo. Ele não é apenas o todo-poderoso, mas
também quer ser o todo amoroso. É por isso que Jesus afasta o medo: não tenha
medo. Fique tranquilo!
Muitas vezes o que restringe o nosso amor é o medo. Medo do que a
Palavra de Jesus pode fazer por nós, através de nós; Medo de se soltar de uma
vez por todas o que nos parece seguro; medo de encontrar um Deus que nos
supera; medo de lançar a rede em nossas vidas na única Palavra de Jesus onde o
amor autentico lança fora o medo.
“Ser pescador de gente”. Aqui reside o significado de nossa vocação eclesial. Estar próximo às pessoas que estão à margem da vida e, ao dizer que o Reino de Deus está próximo (cf. Lc 10, 8-12. Mt 3,2. Mc 1, 15), isto é, que não há mais dualismos e distancias, mas proximidade de Deus, então, devemos está sempre pronto para lançar as redes ao ouvir a Sua Palavra.
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
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