A 1ª Leitura Is 43, 16-21 continuamos a ouvir que a identidade de Deus é
ligada a sua ação libertadora: abriu o mar e venceu o exército do faraó. Porém, Deus desautoriza a idéia de fica
olhando a vida apenas pelo retrovisor. O
passado deve ser visto como aprendizado, mas é importantíssimo olhar para
frete. Assim como o judaísmo teve fatos fundantes no passado, o cristianismo
também. Porém, é importante olhar para as coisas novas que Deus continua a
fazer: “Aquele que está sentado no trono diz: ‘Eis que faço novas todas às
coisas’” (Ap 21,5).
Em
Is 43, 20 vemos toda a criação numa perfeita ecologia integral se beneficiar do
bem feito por Deus, pois amor de Deus gera uma onda de bondade na criação. Tudo
tende a melhorar quando nos abrimos às novidades de Deus.
O Salmo 125(126), 1-2ab. 2cd-. 4-5. 6 canta as maravilhas libertadoras de Deus. O anúncio pascal é feito por um caminho de semeaduras
aonde no caminho vamos encontrando os brotos de uma vida nova que está renascendo:
“Quem semeia entre lágrimas ceifará com alegria”.
A 2ª Leitura Fl 3, 8-14 é uma reflexão daquilo que aconteceu no caminho de
Damasco. Dentro de Paulo há uma profunda transformação, há uma capacidade de
refazer a leitura de própria vida: “Por causa de Jesus, meu Senhor, perdi tudo
e considero tudo como um lixo. A fim de ganhar Cristo e ser encontrado unido à
ele”.
O
que é esse tudo que Paulo considera como lixo? No v. 5 ele explica: “o fato de
ser circuncidado no oitavo dia”. De “ser da estirpe de Israel”. De “pertencer à
tribo de Benjamim e filho de Hebreu”. De “ter sido observante da lei igual aos
fariseus”. De “ter sido zeloso a justiça irrepreensível da lei de Moises que
lhe fizera julgar e perseguir os cristãos” que ele chamava de seita. Esse jeito
de ser, ele o considerou como lixo, depois que foi alcançado por Jesus.
Paulo
descobre que a justiça não vem pela Lei Judaica, mas pela fé em Deus, anunciada
por Jesus. Aos moldes da justiça dos fariseus, Paulo se considera um ímpio. Se
não fizer essa passada da Antiga à Nova Aliança, seria considerado um ímpio.
ESSA É A NOVIDADE DA SALVAÇÃO EM CRISTO.
Uma
justiça baseada na mera pretensão de suas obras (ferida do orgulho) seria uma
vanglória, a pretensão do se bastar. A idéia de viver se comparando aos outros
e diminuindo o outro – por causa de um conjunto de coisas que se faz –
evidencia a presunção de negar a salvação que vem de Cristo, para se colocar
como um advogado de minha própria causa.
“Conhecer”
e “pertencer” a Cristo passam pela comunhão com Ele. Não se dá pelo mero pertencimento
de grupos e na sua razão moral (a seita dos perfeitos). Paulo ensina que a sua
nova vida está enraizada no dinamismo da vida Pascal de Cristo. A vida do
cristão é o mistério de Cristo atualizado na sua existência, isto é, os mesmos
motivos da sua morte, se tornam projeto de vida da minha existência.
É
bonito quando Paulo assume que “Não que eu já tenha recebido tudo isso” (v.
12). Sua vida ainda não está totalmente pascalizada. E continua, “mas continuo
correndo para poder alcançá-lo, visto que eu mesmo fui alcançado por Cristo
Jesus”. O cristianismo começa quando
somos alcançados por Cristo Jesus. Mas o dinamismo desse encontro ocorre quando
começamos a responder ao seu conceito de vida.
A
“vida nova” é esquecer o que está atrás e lançar para frente. Essa é a mesma
expressão do Profeta Isaías (1ª leitura). Tudo aquilo que um dia lhe significou
algo (de bom), como a circuncisão, agora ficou para traz. Paulo vai tomando
consciência das coisas novas: do farisaísmo ao cristianismo. O cristianismo,
mesmo considerando a sua raiz no mundo judaico, ele sabe que é antagônico a
este mundo a estes esquemas. Que sua proposta sempre será respirar coisas novas,
boas, justas, equitativas, fraternas, amorosas, santas.
No Evangelho Jo 8,-11, encontramos
uma situação constrangedora para que Jesus pudesse interpretar à luz da Torá. É
uma situação de adultério e a Torá diz “que se devem matar os dois” (cf. Lv
20,10). Eles querem colocar Jesus à prova. Se Jesus disser que não apedreje,
estará indo contra a Lei. Se disser que apedreje, estará contrariando tudo o
que ele ensinou, ate então, sobre a misericórdia de Deus. Na verdade, há uma
tentativa de dupla acusação: contra a mulher e contra Jesus.
“Ele
se abaixa, escreve algo no chão e diz que atire a primeira pedra quem não tiver
pecado”. Na esplanada do Templo só existe pedra. Então, de frente ao Templo de
Jerusalém, Jesus se inclina e encosta o dedo sobre a pedra e começa a escrever.
Esta cena nos lembra, no Livro do Êxodo, quando Deus entrega a Moisés as pedras
com a Lei escrita nelas. Também nos recorda aquilo que diz ao profeta que a Lei
de Deus será escrita no coração de carne que um dia foi pedra.
Frente
ao questionamento deles sobre a Lei escrita na pedra, a proposta de Jesus é que
se eles escrevam a Lei de Deus no coração, numa outra fonte de interpretação. O
profeta Ezequiel diz: “vou dar um coração de carne a vocês” (36,26). Se a
proposta é extirpar o mal, não será matando ninguém, pois a raiz da maldade
está nos maus desejos que saem do coração.
Também
na sociedade de hoje, o “mata...mata” tem tomado conta nas nossas
relações. Estes dias – enquanto rezava e
preparava esta palavra semanal- escutava um sacerdote dizer que existem uma
onda de pessoas dentro das comunidades, que se julgam mais católicas do que as
outras, tirando fotos, filmando e gravando o que os padres e bispos dizem para
que seja comparado àquilo que eles acham como literal a interpretação da lei, e
passam a perseguir e a fazer acusações de todo o tipo. Ao ponto de que estes
mesmos se organizam para anular o padre/bispo, dizer que não escutem aquilo que
o padre/bispo está a dizer, e começam a fazer caravanas para ir à paróquia
daquele outro padre amigo que prega, segundo eles, a reta sã doutrina. A
HISTÓRIA SE REPETE, SÓ MUDAM OS PERSONAGENS.
Esta
é uma lição perene e que chega até nós, dentro desse bonito clima quaresmal:
quem sou eu para apontar dedos, julgar e matar alguém? O dinamismo da sociedade
tem suas leis e queremos que elas se realizem. Queremos um estado de direito
que as leis, de fato, funcionem.
O
que significa ouvir que uma mulher foi violentada sexualmente e dada a sua
sentença de morte, mas as pessoas ficam ainda a julgar que a culpa é dela. O
que significa ouvirmos que é crescente número de abuso sexual contra crianças e
adolescentes e as músicas que mais fazem sucesso são as que dizem: “vamos pegar
as novinhas”. É inadmissível que em pleno século XXI ainda estamos pregando e
catequisando que quem deve ser o maior dentro da casa: é o homem e não a mulher.
Enquanto que Jesus pregava a harmonia das relações e o reconhecimento do outro
como irmão. Ao mesmo tempo em que pedia que não trouxéssemos para dentro das
comunidades e da família aquele velha lógica do mundo: “quem é o maior?” (cf.
Mt 10, 43-45).
Nossos
púlpitos devem ser “lugar de fala” de quem fez a experiência de ser libertado
por Cristo e não amarrado em nome de um legalismo arcaico que só produz morte.
“Vá e não peques mais” (Jo 8,11). Esse é um convite para todos nós. Jesus não tem exigências para que as pessoas se aproximem dele, mas quando nos aproximamos, uma vida nova brota para todos. Essa palavra não é para o outro, mas para mim e para você.
Boa semana!
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
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