O Evangelho proposto para este domingo (Jo 14,23-29) ainda
nos leva ao cenário da última ceia para ouvirmos o discurso de despedida de
Jesus. Já tivemos a oportunidade de escutar que o essencial na vida cristã é “amar”
(cf. Jo 13, 34). O Trecho de hoje responde a uma pergunta de um dos discípulos:
“Senhor, como se explica que tu te manifestarás a nós e não ao mundo?” (cf. Jo 13,
22).
O anúncio começa com Jesus revelando os segredos Reino aos
seus amigos, mas também os capacitando para que O anunciem em todo mundo (cf.
Mc 16, 15). Porém, para que esse anúncio seja coerente eles precisam ficar
unidos ao que Jesus ensinou. É aqui que entra a ação do Espírito Santo,
Dado à Igreja, o Espirito Santo (Parákletos) é garantia de que as comunidades hão de “recordar”
e “ensinar”. E somente com o Seu auxílio a Igreja poderá manter bem atual os
ensinamentos de Jesus. Como os primeiros discípulos entenderam isso?
A 1ª Leitura (At
15,1-2.22-29) nos mostra a ação viva do Espírito Santo orientando as
comunidades a alinhar-se com o projeto de Jesus. E, mediante as novas decisões,
enfrentar todo o tipo de acusações sem medo, pois as comunidades receberam o
Espirito Santo, o Defensor. O próprio Jesus, guiado pelo Espirito, sentia-se
muito livre e seguro para convidar à originalidade do mandamento de Deus (cf.
Mt 5, 17. 21. 27. 38-48) aqueles que lhes acusavam de blasfêmia e impostor (cf.
Mt 26,57-75).
Esta
leitura nos coloca dentro de um momento de tensão, ruptura e novidades, diante
de uma pergunta: O que é essencial para
a Salvação? Uma assembléia em Jerusalém (dos apóstolos e das lideranças) foi
convocada para decidir se os povos que não vieram do judaísmo (pagãos) deveriam
estar submetidos às prescrições de Moisés (como a lei da circuncisão) para ter
acesso à salvação. A Carta aos Gálatas (2, 1-29) atesta a veracidade deste fato
histórico.
Os
que tinham vindo do mundo judaico contrariavam os ensinamentos de Paulo e
Barnabé “causando confusão” (cf. At 15, 1), dizendo: "Vós não podereis
salvar-vos, se não fordes circuncidados, como ordena a Lei de Moisés". Durante a assembléia, foi decidido que a fé
em Jesus é o suficiente para obter a salvação.
A
Vida Nova no Espirito gera pessoas e comunidades eclesiais amadurecidas no
projeto de Jesus. A Assembléia de Jerusalém já definia a independência do cristianismo
em relação à Lei de Moisés, a pluralidade cultural e teológica, desde
Pentecostes (At 2, 1-12). É isso que ocorre quando os evangelizadores tem
abertura, nasce a catolicidade.
Na 2ª Leitura (Ap
21,10-14.22-23) o apóstolo João nos leva à sua segunda visão da Jerusalém (a
cidade santa que desce do céu) para descrever a imagem de um mundo
transformado: “um novo céu e uma nova terra” (Ap 21,1) pela vitória de Cristo
sobre o pecado e a morte.
Uma realidade bem diferente das visões apocalípticas dos gurus-pregadores
de nosso tempo, dados à manipulação ideológica frente à susceptibilidade das
pessoas simples, e que vivem a dizer que viram o inferno e que de lá trazem
mensagens de salvação.
O Livro do Apocalipse de São João, tem uma finalidade
catequética muito bonita e sem fins de causar medo, angústia e manipulação, mas
causar esperança de dias melhores, causar fé no coração das pessoas
perturbadas, deprimidas e injustiçadas, e a caridade como motor transformador
do mundo. Os Espirito que levou o apóstolo a ter uma visão beatifica teve o
compromisso de apresentar a utopia do Reino de Deus, na transformação de todas
as coisas no amor.
Deus nos leva para as altas montanhas (v. 10) não para olhar
as pessoas “de cima”, pois quem não desce para lavar os pés dos outros, não
entende o Reino. Deus nos leva a estes lugares para olhar o mundo com os olhos
Dele: uma cidade perfeita e repleta de esplendor (v. 11), protegida (v. 12),
construída sobre alicerces seguros (v. 14), com o nome dos apóstolos do
cordeiro (v. 14) e portas abertas para todas as direções (v. 13).
O texto é um a bela catequese restauradora, inclusiva e sem sectarismos.
Os Apóstolos do Cordeiro tem a missão de
ser sinal da Boa Nova de Jesus Cristo.
O texto ainda comenta a ausência do Templo (v. 22). A
catequese Joanina, escrita num contexto em que o Templo de Jerusalém já tinha
sido derrubado, aponta que o templo que Deus quer morar e ser adorado é em cada
pessoa. A vida nova em Cristo e a maturidade eclesial dispensa muita coisa do
tradicional sistema religioso como o mediador absoluto. Quando cada pessoa for
luz de Cristo, não haverá nem mesmo a necessidade do sol e da lua (v.23), pois
a glória de Deus é quem os ilumina e cada pessoa será portadora desta luz.
O psicanalista Jacques Lacan (1901-1981) ensinava que todos
nós somos atravessados por um discurso institucional. Esse discurso não se
refere apenas à linguagem, mas a estrutura de influencia, de poder e significação
que as define (regras, normas, valores, crenças) que moldam a experiência do
sujeito e as suas relações. Mas, também ensinava que nenhum sujeito se enquadra
em esquemas totalitários, por isso dizia: “Penso onde não existo, existo onde
não penso”.
Esse discurso (que funciona como um grande Outro) ao mesmo
tempo em que as pessoas se identificam também se limita por causa dele. Quem
fala ou mesmo antes de falar já está falando delimitado por uma perspectiva de
um discurso (um sujeito moldado por...).
O Filho de Deus “pensava”, “existia” e “ensinava” em muitos
lugares e periferias existenciais onde o pensamento religioso não alcançava. As
acusações de blasfêmia, de amigo de publicanos, pecadores e prostitutas,
beberrão e comilão descrevem esse lugar teológico do “Eu Sou!”. Ainda hoje, nós
cristãos, não conseguimos alcançar profundidade da Nova Aliança por causa de
nosso fechamento na estética dos “remendos velhos”.
A primeira leitura de hoje é o retrato do que as primeiras
comunidades cristãs vivenciavam a partir da escuta do evangelho. A catequese
cristã nascia com o ímpeto de dar abertura aqueles que o discurso tradicional
não dava. O evangelho é abertura e leveza sem negar a condição existencial das
pessoas.
“O que vocês ouviram e o que vos falei” (cf. Mt 5, 17-37). As
leituras de hoje fazem perceber uma mudança de perspectivas dos ensinamentos. Portanto,
que tipo de discurso institucional atravessa sua compreensão e forma de estar e
ver o mundo? As pregações de hoje tem sombra de Evangelho ou é sobra do Antigo
Testamento. Pensemos com carinho...
Boa semana!
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
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