Os quarenta dias entre a Festa da Ressurreição e a Festa da
Ascenção é um tempo simbólico e catecumenal para que um cristão passe um
período de discernimento e iniciação às coisas do Reino.
Ao longo desse período, a Liturgia da Palavra foi nos ensinando a
perceber e fazer nos identificar com os sinais da ressurreição.
A Ascenção de Jesus é o símbolo pascal (de sua vitória sobre a
morte) da superação de uma antiga mentalidade que cria rupturas entre o céu e a
terra, onde Deus é alguém distante. A princípio a subida de Jesus aos céus dá
essa impressão de que Ele se distanciou. Mas, Aquele que subiu levou consigo a
nossa condição humana na densidade de todas as experiências daquilo que viveu
entre nós: o aconchego de uma família, o carinho dos amigos, a proximidade
afetuosa dos pobres e excluídos...
Sofreu com os outros, lutou pelos outros, chorou, sofreu
injustiças, foi rejeitado em seu testemunho humano-divino, traído por um amigo,
incompreendido por familiares, criticado duramente por andar e acolher pessoas
de moral religiosa duvidosa, foi torturado e morto (pelos poderes do império e
da religião) etc... Todas essas experiências uniu o Filho de Deus a nós, aqui
na terra; mas também, agora no céu. Ele não deixou nada disso para trás, mas
levou-nos consigo.
“Venha o teu Reino. Seja feita a tua vontade assim na terra, como
é feita no céu” (Mt 6, 10). Em Jesus, terra e céu não tem ruptura, mas
continuidade. Os “Céus” sempre foram representados como um lugar para guardar a
reverência do Sagrado para que não fosse vulgarizado, instrumentalizado e
profanado o nome de Deus. A expressão “Reino dos Céus” dá, muitas vezes, a
conotação distinta entre divino e humano, puro e profano como se as coisas não
se unissem.
Por isso, que em certas ocasiões escapou à compreensão de muitos
que Jesus, sendo Deus, fosse apresentado como alguém que comeu, bebeu, abraçou,
sorria, amava os pecadores e não suportava uma piedade forçada. Essa mesma
visão puritana e separatista entrou na mentalidade popular afirmando que Deus
ama só alguns e não a todos.
Em Lucas 24, 45. se diz, em primeiro lugar que, Jesus abriu a
inteligência para entender as Escrituras. Não basta ler as escrituras, mas
abrir a mente para entender o novo. Essa é uma exortação pascal constante.
Em Lucas 1, 8 se diz: “Vós sereis testemunhas de tudo isso”. O
anúncio do Reino tem característica universal, desde Jerusalém. Aqui é retomado
o anúncio de João Batista: “batismo de conversão para o perdão dos pecados” (Lc
3, 3). Aqui, o batismo é omitido e a conversão é proclamada para todos os
povos. Conversão é uma mudança de mentalidade e dos valores que orientam uma
pessoa. A quaresma nos ajudou a entender que uma sadia conversão passa pela
libertação de nosso egoísmo (que orientou nossa vida de passado) e não uma mero
ajuste a preceitos religiosos.
“Começando por Jerusalém” (Lc 1, 8). O evangelista dá uma ênfase
sutil e bem significativa que é preciso voltar a Jerusalém, não para repetir o
caminho, mas para converter a estrutura do Templo. O Santuário, que lembra os
tantos sacrifícios e liturgias pomposas para falar de um perdão, precisa de um
novo significado da doutrina da salvação. Nesse sentido, Jesus associa
Jerusalém aos povos pagãos, que precisa de luz.
“Permanecei na cidade, até que sejais revestidos da força do alto”
(Lc 24, 49). Jesus anuncia o envio do Espírito que há de dar força do alto para
que eles “recordem”, “entendam” e “traduzam” em sinais de vida a outras
pessoas.
“Jesus os levou até perto de Betânia. Ali ergue as mãos e
abençoou-os” (Lc 24,50). Há um paralelo entre esta cena “em saída” de Jerusalém
com a cena “em saída” do Egito. Sair da terra da escravidão para a terra da
libertação é perceber que assim como não se aprisiona os filhos de Deus (no
Egito), também não se aprisiona Deus (em Jerusalém).
O êxodo de Jesus para o Pai indica o êxodo dos discípulos das
estruturas que aprisionam, tornando-os pessoas livres. Ao levantar as mãos,
Jesus nos faz lembrar a cena do Êxodo (cap. 17) com a vitória de Moisés e do
Povo contra Amalec. Todas as vezes que Moisés levanta as mãos, ele vencia.
Jesus triunfa sobre as estruturas que lhe condenou a morte.
“Foi levado para o céu” (Lc 24, 51). Como já refletimos no inicio,
não é um distanciar-se, mas levar consigo a nossa humanidade: é um gesto de
proximidade. Jesus chegou à plenitude da condição divina e nos levou consigo.
“Eles adoraram, Depois, voltaram para Jerusalém, com grande
alegria. E estavam sempre no templo, bendizendo a Deus” (Lc 24, 52-53). Parece
ser algo decepcionante que Jesus tenha tirado os discípulos de um lugar e eles
tenham voltado para lá. É a velha e saudosa condição dos discípulos “um passo
para frente e dois para traz”.
Parece que as tensões dentro do Templo que se acirraram contra
Jesus não ajudaram aos seguidores de Jesus a entender nada: “Eles voltaram para
lá com grande alegria” (v. 53). Eles não perceberam o significado que “o véu do
templo foi rasgado” e que Deus não está preso por traz dos panos. Muitos menos
num lugar onde o próprio Jesus denunciou como lugar de mercenários (cf Lucas
19). Jesus mesmo esperava que o templo desaparecesse (cap. 21, 5-6). O Templo
era um lugar perigoso para Jesus e para os discípulos, mas eles retornam para
lá buscando segurança.
O caminho pascal faz-nos compreender que será necessário
Pentecostes acontecer para que os discípulos sejam libertados de tudo isso. As
testemunhas de Jesus (cf. Lc 24, 48) precisam comunicar as experiências de
libertação vivenciadas ao lado dele. Nós somos portadores deste “anuncio” e
desta “benção” para o mundo.
A primeira tarefa do discípulo é ser testemunha da bondade de Deus
sem nos rendermos às estruturas desumanas. O itinerário da páscoa nos fez
perceber o quando é visível o sinal de “quem fez a experiência de Jesus”: pessoas
pacificas, mais bondosas e menos asquerosas, mais humildes e menos arrogantes.
O mundo precisa sentir o cristianismo da bondade.
Iniciamos um novo mês e com ele a alegria tão peculiar deste
tempo. Junho é um mês muito festivo para a igreja e para o mundo da cultura. No
nordeste brasileiro, as ruas e as comunidades rurais se enfeitam num belo
colorido de bandeirolas para celebrar os santos juninos e a sua identidade
cultural (com danças, músicas, roupas adaptadas, fogos, etc.). Essa festa tão
nordestina tem ecos em outras regiões de nosso país culturalmente adaptado no
processo migratório. É festa, é alegria é extensão da luz da páscoa de Cristo.
Queremos desejar não só uma boa semana, mas um mês festivo de
encontros e reencontros, de paz e fraternidade, de um desejo sempre vivo por
viver: “Quando a dor de não está a vivendo for maior do que o medo da mudança,
a pessoa muda.” (Sigmund Freud).
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
Nenhum comentário:
Postar um comentário
O conteúdo do comentário é de inteira responsabilidade do leitor.