domingo, 26 de outubro de 2025

Padre Edjamir Silva Souza: - Aos quem confia na sua própria justiça e desprezam os outros

 


Os discípulos caminham com JesuS. O caminho é o lugar teológico da manifestação de Deus, mas também é o lugar onde se aprende a ser discípulo do Reino. A certa altura do caminho Jesus quis propor aos discípulos uma lição sobre “orgulho” e “arrogância”, um problema sério que Ele viu entre aqueles que se diziam “pessoas de igreja”.

No caminho, Jesus tem ajudado o discípulo a refletir: como viver melhor a relação com Deus? Como orar/rezar? Como viver na vida eclesial? Como testemunhar Deus? Como viver em sociedade? Essas questões e muitas outras são iluminadas pelos textos da Liturgia da Palavra proposto para este domingo (Eclo 35,15b-17. 20-22a/2Tm 4, 6-8. 16-18/ Lc 18, 9-14). 

Em primeiro lugar, é preciso dizer que Jesus nos apresentou o amor de Deus que não é atraído pelos méritos das pessoas, mas simplesmente porque o seu amor é gratuito. Deus nunca se importou com as aparências (cf. Atos 10, 2) nem com o esteticismo ou modinha religiosa (cf. Mt 23, 5), mas simplesmente a vida do povo (cf. Hb 2,16). Quando oramos é com este Deus que nos relacionamos.

O tema da oração, mas uma vez, retorna a Liturgia da Palavra. E dessa vez, o evangelho nos ensina que a oração confiante e persistente deve está desprovida de presunção, mas acompanhada de humildade (Lc 18, 9-14), isto é, simplicidade, pequenez e descentralização de si para “compreender uma vida maior do que o próprio eu”.

Domingo passado dizíamos que quando ajoelhamos para rezar/orar fazemos isto no chão da história. Hoje, dizemos que quando oramos levamos a nossa maneira de ser conosco. Muito mais do que a repetição de muitas palavras, Deus percebe a maneira como nos apresentamos diante Dele (cf. Salmo 8. 44(45). SL 138 (139), 6. Sl 149(148, 4. Lc 1, 44-55. Mt 8, 5-13).

A parábola de hoje é uma alfinetada aos que estão inchados de presunção se considerando justo demasiadamente e desprezando os outros (Lc 18, 9). É A MISERICÓRDIA DESMONTANDO A ARROGÂNCIA.

As formas de oração do fariseu e do publicano se tornaram motivo de reflexão, para compreendermos aquilo que agrada a Deus e qualifica a vida de um cristão. De um lado, o fariseu centrado em si. Ele transforma a sua oração em uma grande demagogia: fala muito, acusa muito, só os outros são errados. É um oportunista que aproveita a fragilidade dos outros (v.v. 11-12). Do outro lado, o publicano que usa poucas palavras, tem uma visão modesta de si, não tem olhar altivo, pede ajuda e perdão (v.v. 13-14).

Quem eram os fariseus? Era um grupo de leigos com bastante influência entre o povo. Em hebraico e aramaico o termo fariseu significa= os separados. Possivelmente eles recebem este nome por sua tendência a se afastarem da vida social a fim de evitar o povo sem instrução da Lei, contato com toda a impureza, formando uma comunidade de vida separada com o proposito de viver a radicalidade da Lei de Moisés.

O historiador Flávio Josefo diz que, no tempo do Rei Herodes, eles eram uma comunidade com 6 mil membros. Eram descendentes dos “hassidim”. Defensores intransigentes da Lei, pois acreditavam que se eles cumprissem fielmente a Lei o Messias chegaria para trazer a libertação.

Levavam um estilo de vida com muitos escrúpulos: pagavam o dizimo das coisas minuciosas com muita fidelidade, seguiam muitos rituais de limpeza (cf. Mc 7, 3ss. Mt 23,25ss. Lc 11,39ss), se enfeitavam de religião para serem vistos (cf. Mt 23, 3ss), exploravam os vulneráveis e para disfarçar faziam longas orações (cf. Mt 23,  15), jejuavam duas vezes por semana (cf. Lc 18, 12). No Talmude, eles rezam uma oração parecida com o texto de hoje: “Agradeço-te, Senhor, meu Deus, porque me fizestes participe daqueles que sentam na casa do ensino e não daqueles que se sentam nas esquinas das ruas; pois eu saio cedo, e eles saem cedo; eu saio cedo para encontrar-me com as palavras da Lei, e eles saem cedo motivados por coisas vãs. Eu me esforço e recebo recompensa, e eles se esforçam e não recebem recompensa. Eu corro, e eles correm; eu corro rumo à vida do mundo futuro, e eles correm para a fossa da ruína” (Talmude Babil., Berakot 28b).   

Essa ideia de “piedosos cumpridores da lei” contribuía para criar uma sensação de que o povo era pecador, indignos, desprezíveis, ignorantes, formando pessoas oprimidas por uma ideologia de uma elite religiosa que se achava perfeita.

Como se não bastassem as ideologias econômicas e politicas que criavam rupturas entre as pessoas (cf. Amos 6, 1a. 4-7. 8, 4-7. Lucas 16, 1-13) a classe religiosa de Israel aumentava ainda mais este fardo pesado: “puros” e “pecadores”.

Curiosamente, em nossos dias, as elites politicas e econômicas fizeram crescer determinados setores do cristianismo (algumas denominações religiosas) e, conjuntamente, levantam bandeiras ideológicas para sustentar esses velhos esquemas de poder que o próprio Jesus disse: Basta com isso!. NÃO É POR ACASO QUE O MARKETING RELIGIOSO DAS RELIGIÕES DE MERCADO COLOCA MUITO MAIS EM EVIDÊNCIA UM POLITICO E UM ARTISTA QUE “DIZ SE CONVERTER” do que um pobre que disse “Jesus mudou a vida de meu povo”. FOMOS ARRASTADOS POR ESSE DISCURSO.

A parábola de hoje é um denúncia de que os fariseus se colocavam diante de Deus a partir de um construto ideológico de que nós somos “justos e puros” e os outros “pecadores e corruptos”. VOCÊ CONSEGUE PERCEBER AS SEMELHANÇAS COM ALGUMA COISA DE NOSSOS DIAS?

Jesus considerou a imensa dificuldade de mover estas montanhas ideológicas dos fariseus, inclusive disseminada no meio do povo. Mover essas fixações ideológicas travestidas de religiosidade é muito difícil. Eles se consideram absolutos: “Eu te agradeço porque não sou como os outros que são ladrões, injustos, adúlteros...jejum duas vezes por semana e pago o dizimo” (Lc 18. 11-12).

“Desprezar os outros” (v. 9). Na liturgia e na vida eles vivem dentro de uma bolha que não se sentem “com os outros”. Na liturgia  querem ser modelos de piedade e estreita relação com a lei; na vida, querem ser chamados de “cidadãos de bem”. A hipocrisia deles fez Jesus falar e agir com dureza contra eles. Jesus ensinou ao povo simples que não seguissem essa gente (cf. Mt 23), não fossem como eles (cf. Lc 12, 1ss) e que não tivessem medo de enfrentar esse mar bravio (cf. Mt 14, 27-31) para viver o evangelho, pois estes não agradam a Deus.

“Desprezar os outros” (v. 9). A nossa relação com Deus deve qualificar a nossa vida. Em nossa cultura a ideia de “qualidade de vida” está muito atrelada ao fator econômico e aquela ligeira sensação de que pertencemos a um clubinho religioso e a uma família que se distingue por ser melhor que os outros.  

“Desprezar os outros” (v. 9). Quantos de nós temos mais de 10, 20, 30...anos de vida de igreja e ainda não aprendemos a respeitar os outros por sua cor, raça, gênero, condição social. Percebendo ou não estamos reproduzindo os mesmos esquemas ideológicos daqueles que Jesus chamou de hipócritas, raça de víboras e dissimuladores (cf. Mt 12, 34).

“O perfeito louvor vos é dado pelos lábios dos mais pequeninos”. (Salmo 8). Quem ora/reza faz isso na graça Daquele que nos justifica diante de Deus, Jesus. Quem ora/ reza deve melhorar o seu conceito de justiça para não repetir o conceito de justiça dos fariseus (cf. Mt5, 20). Cuidado que as falsas piedades/moralismos não agradam a Deus. Portanto, COMO TEMOS NOS  COLOCADO DIANTE DE DEUS E DOS OUTROS?

Boa semana!

Edjamir Silva Souza

Padre e Psicólogo

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