O final do Tempo Litúrgico celebra a Solenidade de
Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo. Esta solenidade foi instituída pelo Papa Pio XI (11 de Dezembro de
1925) através da Carta Enciclica “Quas Primas”. Pio XI quis propor ao mundo - que
estava saindo da tragédia da I Guerra Mundial e mergulhado nas contradições dos
valores desumanos – a soberania de Jesus Cristo, reconduzindo-O ao centro da
vida e a história, o reencontro da humanidade com os autênticos valores éticos
que sustentam a vida: a paz, a justiça, a fraternidade, o perdão. Era preciso
ouvir, nesse duro momento, o que disse o apostolo Paulo: “transportou-nos para
o Reino de Seu Filho bem amado” (Cl 1, 13).
A 1ª Leitura (2Sm 5,1-3) nos lembra que o reinado de Davi se tornou símbolo
e anúncio de um novo tempo, de uma era de justiça, de bem aventurança e de paz
sem fim. O povo de Deus aguardava esperançosamente a concretização deste Reino.
As duas próximas leituras nos farão perceber a concretização desta profecia,
mas também as características do Rei e o Reino.
A 2ª Leitura (Cl 1, 12-20) apresenta Jesus e o seu Reino numa linguagem
altíssima: “Cristo é a imagem de
Deus invisível, o Primogênito de toda a
criatura; Porque n’Ele foram criadas todas as coisas no céu e na terra,
visíveis e invisíveis, Tronos e Dominações, Principados e Potestades: Ele é
anterior a todas as coisas e n’Ele tudo subsiste (...) Ele tem o primeiro
lugar”. Mas, esta imagem quase se desfaz quando ouvimos o evangelho...
O evangelho (Lc 23, 35-43) nos apresenta Jesus crucificado debaixo dos escárnios e das zombarias
por parte dos chefes do povo Judeu: “Salvou os outros: salve-Se a Si mesmo, se
é o Messias de Deus, o Eleito” (v.35), dos soldados romanos que, além das
ironias: “Se és o Rei dos judeus, salva-Te a Ti mesmo” (v. 38a), davam-Lhe vinagre
para beber. Também colocaram, na parte de cima da cruz, um escrito que resumia
muito bem o deboche e a motivação de tudo aquilo: “Este é o Rei dos judeus” (v.
38b) e por parte de um dos malfeitores: “Não és Tu o Messias? Salva-Te a Ti
mesmo e a nós também” (v. 39). Além da zombaria, todos cobram de Jesus uma
atitude davídica-messiânica-milagreiro.
O cap. 23, 34
deste mesmo evangelho diz que Jesus orou dizendo: “Pai, perdoa, pois eles não
sabem o que fazem”. Bastou esse pedido de perdão e de misericórdia que os
violentos insultos tomaram conta da cena. O povo assiste (v.35) tudo aquilo com
uma total apatia, sem inciativa. Das lideranças ao povo todos assistem sem o
mínimo de misericórdia àquele que até na cruz falou de misericórdia para todos.
Há alguém agonizando numa cruz, é a nossa humanidade em Cristo, mas há um povo
que só assiste: “Salva-Te a ti mesmo” (v. 38).
Das bodas de
Caná a última ceia o Filho de Deus ofereceu o “vinho da alegria”, mas os
perversos lhe deram o “vinagre do ódio”, da “indiferença”, da “zombaria” (cf.
Sl 69, 22).
“Salva-te a
ti mesmo”, por três vezes escutamos essa ironia. É a tentação que está presente
na vida de Jesus desde o episódio no deserto. A missão de Jesus não é “se
salvar”, mas “salvar o mundo”. Quem vive a ironizar e zombar os outros assim o
faz, pois acredita que tem em si o potencial para fazer tudo: é a lógica dos
primeiros lugares, dos que acreditam na presunção de sua própria justiça, dos
que se empoderam nas riquezas, etc. Naquela cruz está a fraqueza humana de quem
não vai salvar a si mesmo, para nos dar outro recado: o Reino de Deus não é
feito de pessoas que vivem em função de si mesmo, pois quem ama está aberto a
Deus e ao próximo.
Para romper
a indiferença de muitos surge alguém que, no alto da cruz, repreende dizendo:
“nem sequer temes a Deus, tu que sofres a mesma condenação. Para nós é justo
(...), mas ele nada fez de mal” (v. 40). É um criminoso condenado à morte, e
não outra pessoa, que reconhece a realidade de Jesus, sua bondade, que os
discípulos DEPOIS VÃO RECONHECER: “Por toda parte, ele andou fazendo o bem”
(Atos 10,38s).
É este
criminoso que não pede para Jesus salvar a Si mesmo, nem para Ele descer da cruz,
mas para que “Jesus se lembre dele e o acolha em Seu Reinado” (v.42). Este
criminoso pede a Deus que lance sobre ele um olhar de bondade, naquela sua
oração. E Jesus o responde: “ainda hoje estarás comigo no Paraiso” (v. 43). A
ele, Jesus escuta.
O livro do Gênesis
fala do ser humano expulso do paraíso por causa do pecado. Agora, Jesus vai ao
paraíso e leva com ele um pecador. O primeiro a entrar no paraíso não foi
nenhuma autoridade religiosa, mas um pecador que diz, sem nenhuma presunção:
“acolhe-me”. Ele é o único que se coloca ao lado de Jesus.
Sem mérito
algum aquele bandido é levado para o paraíso, pois a única coisa que ele tem é
necessidade e não méritos. Isso contrapõe radicalmente a compreensão que se tem
de “meritocracia” para alcançar a salvação. Numa era como a nossa, como em
outros momentos na história, onde as pessoas acham que vão para o céu por
multiplicar orações, triplicar celebrações, barganhar as graças e a salvação
tentando comprar com ofertas e dízimos ou mesmo por posições e cargos, o
evangelho do Reino chega a ser frustrante para alguns. O amor de Deus, que
chega à radicalidade da cruz, nos ensina que o amor de Deus não tem limites.
Mas,
voltemos a olhar aquele Rei que está na cruz. O que este evangelho tem a nos
dizer hoje (a nossa geração)? É costume que um rei seja tratado com honrarias,
mas o evangelho nos apresenta Jesus com um rei que apenas a humilhação e o
ridículo lhe são reservados. Não tem riquezas, não tem quem lhe defenda, sem
trono, sem palácio, sem administração, sem poder. Um rei tratado como
criminoso. Ele não tem nada que agrade a interesseiros. Um rei que não vive à
custa de sugar os pobres e humildes, não tem violência e nem é cruel com
ninguém. Jesus é um rei que se apoia apenas na sua fragilidade e no escândalo da
cruz.
O seu cetro
de governo é a tolha e a bacia (os sinais do serviço), sem manto, sem
discípulos (pois o abandonaram). O Filho de Deus não prefere a companhia dos
poderosos, mas dos pobres e excluídos deste mundo. Ele vai ao encontro dos
leprosos. Seu reino é marcado pela disponibilidade, acolhida, proximidade, misericórdia e muita humanidade.
O evangelho
de Marcos (10, 45) se diz: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas
para servir e dar a vida em resgate de muitos”. Aqui está o jeito de Jesus
reinar. Cristo é rei por dar vida e a própria vida. Esta é a profecia de
Simeão: “Ele será um sinal de contradição” (Lc 2,34).
“Ainda
hoje”, este é o tempo de nossa conversão. É o momento de desejarmos Deus, mas
não como os dois discípulos que brigavam pelos melhores lugares, mas como o
ladrão arrependido que apenas desejou Deus. É o momento de tirarmos de dentro
de nós as idolatrias de poder e grandeza, para servir sem interesse. É o
momento de compreender que a misericórdia dá o tom da justiça divina.
Boa semana!
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo

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