domingo, 28 de agosto de 2022

Padre Edjamir Sousa Silva: “É aos humildes que ele revela seus mistérios”

 

Em meio a muitos olhares, seja de admiração ou de reprovação, Jesus é um bom observador de pessoasestá sempre atento e vigilante sobre o que acontece ao seu redor. É o que observamos no evangelho deste domingo (Lc 14, 1. 7-14). Não é a primeira vez que vemos Jesus observando o comportamento das pessoas: ele viu a honestidade de Natanael (cf. Jo 1, 45-51) ele viu uma numerosa multidão como ovelha sem pastor (cf. Mt 9, 36). Ele viu a oferta da viúva (cf. Lc 21, 1-4) e viu também a hipocrisia dos fariseus e Mestres da Lei (cf. Lc 11, 37-41). É um ver que chega ao coração e se torna catequese do Reino. 

Jesus havia se tornado um rabi muito conhecido e, portanto, era frequentemente convidado, muitas vezes após a sua pregação na sinagoga, à mesa de alguns notáveis (cf. Lc 7,36; 11,37). Um gesto que faz lembrar atualmente a vida missionária dos sacerdotes com sua proximidade saudável junto ao povo.

O Senhor vê que os convidados à mesa buscam o primeiro lugar ou lugares importantes (pois é assim que se vêem, vaidosamente importantes). Os convidados espiam onde está o lugar do anfitrião e, com olho voraz, identificam a cadeira mais próxima a ele, lançando-se sobre ela como uma presa.  

O Jovem Pedagogo de Nazaré não desperdiça nenhuma ocasião para ensinar. Como Palavra viva e atuante de Deus, ele propõe uma inversão radical na escala dos valores da sociedade e da religião, e não se cala nem mesmo na casa de uma autoridade, em pleno jantar para o qual havia sido convidado. Em torno daquela mesa Ele desenvolve a corajosa atitude de, num dia sábado, na casa de um dos chefes dos fariseus, dizer que as necessidades mais humanas de qualquer pessoa estão acima das leis (cf. Lucas 14, 1-6). 

Não existe nada acima da dignidade humana que deva se impor; nem Deus se coloca numa posição de um “acima de todos” na lógica de domínio e tirania: “Depois de ter lavado os pés dos discípulos, Jesus vestiu o manto e sentou-se de novo. E disse aos discípulos: ‘Compreendeis o que acabo de fazer? Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Senhor e Mestre, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns dos outros. Dei-vos o exemplo, para que façais a mesma coisa que eu fiz’” (Jo 13, 12-14). A interpretação de um Deus dominador pode ser, na verdade, uma projeção narcisista de quem assim o faz…não entendeu a catequese do Reino.

É importante perceber que Jesus evita ficar na superfície das questões essenciais. Seu ensinamento não é sobre as regras de boas maneiras, mas sobre uma questão fundamental da vida cristã e da própria sociedade: O Senhor crítica o orgulho e a carência de privilégios. Ele observa o costume de privilegiar nesses momentos festivos como também nas decisões e projetos de sociedade que nunca inclui os pobres no orçamento do desenvolvimento social.  

Frequentemente, as nossas humanas escolhas tem sempre uma dimensão sócio-político (é de família importante? é famoso? tem dinheiro? tem milhões de seguidores em redes sociais? etc…), mas essa não é a lógica do Reino de Deus. E não deveria ser das comunidades da Nova Aliança, de um cristão e nem de uma sociedade que visa o progresso de seu povo (o privilégio das castas e elites). 

Inicialmente, Jesus fala aos que estão com ele à mesa, afirmando que “todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado”. Eis um ensinamento frequente de Jesus: a necessidade da humildade e de olhar para os humildes como Deus faz: “é aos humildes que ele revela seus mistérios” (Eclo 3, 20). Depois, dirige-se ao próprio anfitrião que o acolhe, questionando sua expectativa de retribuição. E deixa muito claro que orgulho e a busca de retribuição são posturas anti-evangélicas. 

Os cristãos e as igrejas não podem ceder a honrarias e vaidades, mas buscar decididamente o lugar reservado aos servidores, superar a velha prática de servir, apoiar e defender prioritariamente as pessoas e instituições que a favorecem. 
Jesus propõe a inversão da ordem dos grupos e pessoas que costumam aparecer no topo das nossas listas de honoráveis, presenças infalíveis entre os convidados das nossas festas e solenidades: os pobres, aleijados, coxos e cegos devem ser os primeiros! É claro que aqui Jesus não quer estragar nossa festa, mas questiona as distancias, os muros e as fronteiras que traçamos entre ‘nós’ e ‘eles’, entre os ‘nossos’ e os ‘outros’. 

Dom Helder Câmara dizia que o maior perigo que ameaça os cristãos e a hierarquia é o desejo de sempre vencer e jamais fracassar, de sentir-se sempre querido/amado/escolhido e nunca sobrar. E chegou a advertir um colega bispo: “Mais grave do que ser apanhado pela engrenagem do dinheiro, é ser apanhado pela engrenagem da vaidade e do prestígio”. Na verdade, a busca de privilégios e compensações é tão desgastante quanto infantilizadora: o caminho que dá acesso a eles costuma passar pela subserviência, e é acompanhado pelo medo do anonimato, pelo apego doentio do ser queridinho e o fascínio pelos títulos.

Para quem segue o caminho de Jesus, a recompensa é prometida para ressurreição dos justos. A felicidade que ninguém pode roubar é aquela que conquistamos entrando pela estreita porta da humildade, da generosidade e da solidariedade. É a alegria profunda que experimentamos quando ouvimos da boca dos porta-vozes da vida o convite: “Amigo, vem pra perto!”. 

E, enquanto caminhamos nesta direção, não há honra e alegria maiores que servir, compartilhar sonhos e lutas com aqueles que normalmente são ejetados para os últimos lugares.
Jesus manso e humilde de coração, fazei o nosso coração semelhante ao vosso. 
Fonte: Paraibaonline

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