segunda-feira, 22 de agosto de 2022

Padre Edjamir Sousa Silva: “Ele olhou para a humildade de sua serva” (Lc 1, 48)


 Toda a nossa fé se baseia nesta verdade fundamental: Cristo Ressuscitou. E o mistério da Assunção de Maria em corpo e alma também está inteiramente inscrito na Ressurreição de Cristo: “(…) primeiro, Cristo, como primícias; a seguir, os que pertencem a Cristo, por ocasião da sua vinda”. (1 Cor 15, 28).

Pela fé, compreendemos que a humanidade da Mãe foi “atraída” pelo Filho na sua passagem através da morte. Jesus entrou de uma vez por todas na vida eterna com toda a sua humanidade, a qual ele recebera de Maria. Assim, Ela, a Mãe, que o seguira fielmente durante toda a sua vida, tinha-O seguido com o coração (cf. Lc 2, 51), entrou com Ele na vida eterna, que também chamamos de Céu, Paraiso, Casa do Pai.

O Mistério da Assunção de Maria é compreendido dentro de um conjunto de imagens, figuras, linguagens produzidas pelos cristãos para afirmar a fé. Partiu-se de uma experiência universal: todo mundo, homens e mulheres, cada um de nós, somos afrontados com muita frequência pelas ´potestades e dominações´; de que nos fala São Paulo: ´contra osprincipados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal´ (Ef 6, 12). E diz: ´Ele manifestou na pessoa de Cristo, ressuscitando-o dos mortos e fazendo-o sentar à sua direita no céu, acima detodo principado, potestade, virtude, dominação e de todo nome que possa haver neste mundo como no futuro” (Ef 1, 21).

Aos cristãos de Colossenses o apostolo diz: “vos capacitou a partilhar a sorte dos consagrados no reino da luz; que vos arrancou do poder das trevas e vos transportou ao reino do se Filho amado” (1, 12-13). Em toda a vida pública de Jesus foi nos comunicado a força e a característica concreta desse reino que é amor/serviço e nunca a ideologia da ostentação, ganancia (mercenários), pompas e apoteoses.

O príncipe deste mundo e toda a sua corte (cf. Jo 16, 5-11/ 2Cor 4, 4-6) buscam seduzir os filhos de Deus à vontade de dominar, o desejo de na ambição possuir tudo o que se pode possuir (acima dos outros). Em resumo, tomando-nos por deuses, buscamos receber honrarias, glórias e louvores mundano (cf. Gn 3, 5/Lc 4, 1-13. Mt 4, 1-11). 

Não é isso que temos refletido – na liturgia da Palavra – nos últimos domingos (ambição, riquezas, mercenários, ostentação…)? Poder e honra (egoísmo e vaidade), potestades e dominações (totalitarismos perversos, tiranias e ditaduras) estão na esteira da idolatria, desde o episódio de Eva e Adão. Basta ver os rastros amargos de tudo isso ao longo da história humana…

Santo Agostinho formulou uma teologia do ´pecado original´; que hoje está a merecer um debate maior e que faz-nos

pensar: este é um mal que atinge todos os homens? Não a Jesus. E este, exatamente, é um dos sentidos da cena das tentações que, nos sinóticos, abre o relato da sua ´vida pública´. Nem Maria, uma vez que não está mentindo quando se

declara ´serva´: “porque olhou para a humildade de sua serva” (Lucas 1,38 e 48).

O evangelho de hoje é para ser lido sob este prisma: ´Servo´; é o contrário de senhor, de dominador. Maria se acha excluída de toda vontade de poder ´original´, que o primeiro homem e a primeira mulher (protótipo da humanidade) deixaram-se seduzir. 

Para os antigos teólogos, não poderia ser de outro modo, pois a humanidade de Maria é feita do mesmo tecido que a humanidade de Jesus (cf. Jo 13, 13-17): “Socorra-nos, ó Pai, a humanidade do vosso Filho, que, ao nascer da virgem mãe, não diminuiu, mas consagrou a sua integridade”. (Oração sobre as oferendas). No ditado popular: “tal mãe, tal filho”.

Os homens pactuaram com o mal que respiram junto com os ares do tempo, por isso são submetidos ao julgamento. Hoje, muitos teólogos importantes já reconhecem que a teologia endureceu e esquematizou um pouco este tema do julgamento nas Escrituras, às vezes negligenciando todos os outros textos que falam em escapar do julgamento.

Particularmente as palavras de Jesus dizem “ter vindo não para julgar o mundo, mas para salvá-lo” (Jo 3, 17); por isso que ficamos à mercê de muitas pregações moralistas, disciplinadoras, abstratas, dos ventos de um tempo da cristandade (que evoca um tipo de poder e domínio) que repercute temas e pautas que não eram exortações cristológicas.

Neste contexto, é preciso dizer que, não tendo pactuado com o pecado do mundo, Maria não é passível de julgamento.

E se puder falar de um julgamento dela poderíamos dizer que isso se antecipou na escolha do caminho que ela abraçou

quando na visita do arcanjo Gabriel: “Eis aqui a SERVA do Senhor faça-se em mim segundo a Sua Palavra” (Lc 1,38).

Ali ela manifestou a sua fé. Ao decidir pelo ´acreditável´, manifestou-se crente e, por aí, encontrou-se julgada, revelando-

se aberta a esta Palavra fecundante. No outro extremo da sua vida, temos o juízo-prova final: a mãe está ao pé da cruz do filho. Ela não desertou. Maria escolheu a “luz do serviço” e não as “trevas das potestades e domínios” que destroem a vida (cf. Jo 3, 18-20).

Portanto, a Festa da Assunção, nos faz crer que Maria está fora de lógica do “Juízo final”. Ela se preservou de tudo isso

(Imaculada Conceição). E nos é apresentada como sendo assumida diretamente por Deus, pois soube assumir o Filho,

fazendo-se permeável à Palavra. Maria já ressuscitou, na ressurreição do seu filho, a Assunção, que caracteriza o seu

término, é somente uma consequência da ressurreição do Seu Filho. Ambos saíram vitoriosos deste mundo de pecado.

Maria projeta diante de nós o percurso do nosso próprio itinerário. A Assunção é tudo isto. Conservemos a imagem de

Maria arrebatada ao céu pelos anjos, mas sabendo que isto é apenas uma imagem: cabe a nós descobrir todos os seus significados.

Em nossa Igreja, Maria é apresentada como intercessora. Rezar para ela e com ela é pedir-lhe que interceda por nós, como expressamos na oração da ave-maria: “Rogai por nós, pecadores, agora e na hora de nossa morte”.

Paraíbaonline

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