segunda-feira, 26 de setembro de 2022

Padre Edjamir Sousa Silva: Aporofobia

 


“Um pobre, chamado Lázaro, cheio de feridas, ficava sentado no chão junto à porta do rico” (Lc 16,20). Neste pequeno trecho da parábola Jesus desmascara e denuncia, com olhar penetrante, a realidade cruel da Galileia e também a de nosso mundo. É uma parábola inquietante que nos situa, a partir de Deus, na dinâmica das relações humanas. 

Essa é, sem dúvida, uma parábola de nossa sociedade: um rico fechado em sua riqueza se apodrece com ela, ou seja, perde sua humanidade e se condena, porque está cego e não ver o pobre à sua porta.

O rico não tem nome, pois não tem identidade humana. Não é ninguém. “Era tão pobre que só tinha riqueza”. Sua vida, vazia de amor solidário, é um fracasso. Muito perto, junto à porta de sua mansão, está estendido um “mendigo”. Coberto de feridas. Não sabe o que é um festim; não lhe dão nem do que cai da mesa para saciar sua fome. Estão com ele alguns cachorros que lambem suas feridas (estão em suas dores). Quantas vezes vemos nas ruas de nossas cidades que os pobres e os mendigos são acompanhados de uma animal/amigo fiel. Aqui se confirma um ditado popular: “o cachorro é um dos grandes amigos do homem”. Este homem que não tem nada, mas só um nome cheio de promessas: “Lázaro”, que significa “Deus é ajuda”.

Jesus não pronuncia nenhuma palavra de condenação, mas seu olhar penetrante está

desmascarando o cinismo e a cruel injustiça daquele homem (e da própria sociedade). As classes mais poderosas e as populações mais oprimidos parecem pertencer à mesma sociedade, mas estão separados por uma barreira invisível. Certamente Jesus recordou o cântico sálmico que diz: “Ouvi isto, povos todos do universo, muita atenção, ó habitantes deste mundo (…). Ninguém se livra de sua morte por dinheiro nem a Deus pode pagar o seu resgate. A isenção da própria morte não tem preço; não há riqueza que a possa adquirir, nem dar ao homem uma vida sem limites e garantir-lhe uma existência imortal. Morrem os sábios e os ricos igualmente; morrem os loucos e também os insensatos, e deixam tudo o que possuem aos estranhos; os seus sepulcros serão sempre as suas casas, suas moradas através das gerações, mesmo se deram o seu nome a muitas terras. Não dura muito o homem rico e poderoso; é semelhante ao gado gordo que se abate. (Salmo 84 (85), 2. 8-13).

Se o salmo 127 (128) canta a prosperidade, porque o salmo 84 (85) canta a ilusão das riquezas? Compreenda que Deus é o primeiro a desejar que vivamos bem, que sentemos à mesa e tenhamos o que comer, saborear justamente o bom da vida, de uma sobrevivência honesta, constante e equitativa (e não apenas um melhoramento de um cenário social por se aproximar da eleição). Deus vê quem, de fato, ama os pobres e está do lado deles e os que estão num abismo distante, escuro e serviçal de si mesmo e das estruturas desumanas: “Com efeito, os filhos deste mundo são mais espertos em seus negócios do que os filhos da luz” (Lucas 16, 8).

Semana passada o profeta Amos dizia: “Ouvi isto, vós que maltratais os humildes e causais a

prostração dos pobres da terra (…) jurou o Senhor: Nunca mais esquecerei o que eles fizeram. (8, 4). Deus quer que vivamos com dignidade. Deus se alegra quando vê as mesas cheias de alimentos e todas as cadeiras ocupadas, todos com bom apetite, vivendo a partilha com o coração pleno de alegria e fraternidade.

Onde está então o problema? Está no abismo social/econômico /doutrinal/afetivo…Também em nossa sociedade cresce cada vez mais o número de portas/abismos que nos impedem de ver a fome, o sofrimento, a pobreza, a desnudez; o ódio ao pobre (Aporofobia).

Ao ler o Evangelho, nos damos conta de que Jesus era muito sensível àqueles que careciam de

tudo. Em sua vida não havia nada que lhe impedisse ver a pobreza e o sofrimento dos outros. Isso despertava n’Ele a compaixão, o “sentir-com” os outros.

Claro que não basta ver. É preciso que o coração seja impactado. É preciso que a realidade nos doa no coração. É preciso que a realidade nos comova. Não basta saber que existem os pobres; não bastam as estatísticas sobre a pobreza no mundo.

É preciso escancarar as portas dos nossos preconceitos, da nossa insensibilidade, portas que nos fazem acostumar a ver famintos, necessitados, explorados…Tudo isso pode nos tornar insensíveis.

O que Jesus lamenta é nossa insensibilidade e nossa indiferença frente àqueles que passam

penúria. Esta é sua condenação radical: uma barreira de indiferença, cegueira e crueldade separa o mundo dos ricos do mundo dos famintos. A riqueza pode ser um grande obstáculo no coração; a púrpura, o dourado, o prateado, a pompa, a ostentação…podem ser um escândalo em um mundo de pobreza; os grandes banquetes podem ser um insulto em um mundo onde impera a fome.

Fonte: Paraibaonline

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