segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Padre Edjamir Sousa Silva: Profecias: Promessa ou predição?

 


Ao mergulharmos no tempo forte do Advento, encontramos personagens que são verdadeiras luzes para vivenciarmos bem este tempo de expectativa do Natal: os profetas. 

A teologia dos Profetas é carregada de sinais característicos do Tempo do Advento: esperança, conversão, vigilância, reconstrução, alegria, renovação. Como é revigorante ouvir as palavras de Isaías: “Criai ânimo, não tenhais medo! Vede é vosso Deus, é ele que vem para vos salvar!” (Is 35,4) ou mesmo de Sofonias: “Canta de alegria, cidade de Sião; rejubila, povo de Israel! O Senhor Deus está no meio de ti, o valente guerreiro que te salva; ele exultará de alegria por ti, movido de amor” (Sf 3, 14.17), animando nossa espera vigilante do Senhor que vem nos libertar e trazer a salvação.

Em nossos dias, na tradição popular, o termo “profecia” tem sempre uma ideia de interpretar o futuro (de alguém, de um grupo ou de toda a humanidade). A tradição bíblica assumiu essa ideia cultural de profecia como adivinhação. Os primeiros profetas bíblicos eram videntes e adivinhadores: “antigamente, em Israel, quem ia consultar a Deus, diziam assim: ‘vamos ao vidente! ’ porque aquele que hoje chamamos profeta, antigamente se chamava vidente” (1Sm 9, 9). 

Mas, pouco a pouco, a profecia bíblica se tornou o exercício de discernir e testemunhar aquilo que Deus quer dizer ao mundo não de um ponto de adivinhação, mas a partir da Aliança. O profeta se torna alguém de “discernimento e conselheiro” do Reino: “Sobre ele repousará o espírito do Senhor: espírito de sabedoria e discernimento, espírito de conselho e fortaleza, espírito de ciência e temor de Deus; no temor do Senhor encontra ele seu prazer. Ele não julgará pelas aparências que vê nem decidirá somente por ouvir dizer, mas trará justiça para os humildes e uma ordem justa para os homens pacíficos” (Is 11, 2-4). 

O teólogo Marcelo Barros recentemente publicou um livro “Não deixe a profecia morrer”, sobre a missão de Dom Helder Câmara, e ao aprofundar a espiritualidade dos profetas ele diz que: “Na Bíblia, a profecia é bem mais promessa do que predição” (p. 23). E continua: “Quem prediz lê o que está escrito nas linhas da mão ou nas cartas de tarô. A leitura é neutra e a pessoa que lê interpreta (…). O vidente prevê o que está conseguindo ver. Não é responsável se aquilo que vê é uma coisa boa ou má, positiva ou negativa. (…). Isso é diferente da profecia. A pessoa que profetiza não prevê. Promete…Quem promete se compromete. Anuncia algo que, embora não seja previsível, através da profecia, Deus anuncia que vai realizar” (ibidem, 23). 

Essa compreensão profética da fé SUPÕE UMA REVIRAVOLTA NA ESPIRITUALIDADE das pessoas e das comunidades. É um modo diferente de ver e compreender o Mistério Divino. Já no século II do Cristianismo, Irineu de Lyon, pai da Igreja, afirmava: “A glória de Deus é o ser humano viver”. Irineu de Lyon compreende a espiritualidade cristã a partir de outro movimento: “não pode ser apenas o culto. Deus não é narcisista. Não precisa ser adulado (…). Quer que levemos a sério a sua proposta de um mundo transformador. Jesus nos fez orar diariamente: “que a tua vontade seja feita. Venha para nós o teu Reino” (ibidem, 23).  

O Rabino Daniel Indech diz que: “Os judeus não cultuam o Criador. Ele é perfeito, completo e, portanto, não possui necessidades, que dirá uma necessidade narcisista de ser cultuado. Toda a nossa relação com Deus tem foco no cuidado com os outros e em nós mesmos (…) quando oramos, não oramos porque Deus precisa desse ato humano e sim porque cumpre uma função de reflexão e autocorreção de postura pessoal frente ao Todo-poderoso” (INDECH. Daniel, Você ainda não sabe o que é judaísmo, ed. Amazon, Kindler, e-book, p. 13). Diz o prefácio eucarístico IV: “ainda que nossos louvores não vos sejam necessários (…). Eles nada acrescentam ao que sois, mas nos aproximam de vós”. 

Ouvir os profetas é, então, alimentar-se de uma esperança baseada na promessa divina e não em adivinhações. E todas as profecias bíblicas, por mais que sua linguagem nos seja estranha, ela tem conotações numa realidade concreta. 

Os evangelhos dizem que Jesus, o Filho de Deus, assume seu serviço dentro de uma crise ocorrida na Galiléia e que se expande em todo o Império Romano (cf. Mc 8, 27ss). Os religiosos do templo, seus adversários ferrenhos e asquerosos, lhe pediam uma sinal de sua missão, Jesus responde que o único sinal que daria da sua missão seria o sinal de Jonas, o profeta da crise. 

Jesus exerceu a profecia e testemunhou o Reino de Deus a partir da sua cultura da Galileu: “a salvação vem dos judeus” (Jo 4, 22), mas transcendeu a sua territorialidade e não se fixou em questões cultuais, rituais para questões que feriam a dignidade humana: a relação com as crianças, com as mulheres, com os pobres, com os excluídos e marginalizados. Como diz o jargão popular: “havia coisas mais serias para ele se preocupar”. 

Hoje, temos um bom costume de rezar ao Senhor da Messe que envie operários para o serviço do seu povo, pena que imediatamente só lembramos de rezar pelos sacerdotes (senhores do culto e do altar). É sinal de um risco de ancorarmos numa religião clericalista. A Igreja é uma diversidade de dons. Talvez o que precisemos em nossos dias não são apenas sacerdotes, mas principalmente profetas da alteridade, homens e mulheres de fé, bons observadores da vida em sociedade e preocupados com o progresso equitativo de nossos povos.   

No evangelho deste domingo (Mt 3, 1-12), como também no próximo (Mt 11, 2-11), o profeta e a profecia ficam em evidência. João Batista, de acordo com Lc 1,5ss era de família sacerdotal. Portanto, deveria estar a serviço do altar, no templo. No entanto, isso não lhe atrae, ele se muda para o deserto, onde se veste e se alimenta de forma precária bem diferente do trajar e do alimentar habitual de Jerusalém. Ele como o profeta Elias (2Rs 1,8) faz de sua vida uma denúncia do anti-reino. E é nele que a mensagem de Jesus encontra terreno fértil para instaurar o Reino dos Céus, já agora aqui na terra.

Em João Batista começou a conversão que ele vai pregar em vista da chegada de Jesus: “Convertei-vos, pois o Reino dos Céus está próximo”. Para que a novidade sonhada por Isaías se realize: “Acontecerá, nos últimos tempos, que (…) transformarão suas espadas em arados e suas lanças em foices; não pegarão em armas uns contra os outros e não mais travarão combate” (2,4), “o lobo e cordeiro viverão juntos” (11, 6). 

É preciso a conversão, isto é, mudança de critério de valorização dos bens que regem a vida em sociedade. As pessoas que acolhem o evangelho e o vivem tornam presentes o sonho da convivência do profeta/poeta. Não a do lobo e cordeiro que não podem mudar sua natureza, mas das pessoas, inclusive as de culturas diferentes (2ª leitura).

“Não desprezeis as profecias” (1Ts 5, 20).

Paraibaonline

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