segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Padre Edjamir Sousa Silva: O esquema piramidal das tentações


 Neste primeiro domingo da quaresma, queremos assumir o propósito de aprender com Jesus como enfrentar as tentações que nos desviam do caminho do Reino de Deus e seu projeto de generosidade, fraternidade e justiça.

O Evangelho proposto para esse domingo é Mateus 4,1-11. O texto é um relato sobre as tentações enfrentadas por Jesus no deserto, quando ele passa quarenta dias e quarenta noites em oração e jejum.

A sua retirada ao deserto é relacionada com a memória do êxodo dos hebreus e a permanência de Moisés no Monte Sinai.

É possível imaginar que Jesus estivesse enfrentando uma crise em sua identidade messiânica, e se questionava se realmente esse era o caminho a seguir: “és Filho de Deus?” (v. 3). Certamente Jesus não estava pensando ali na fórmula teológica “da mesma natureza do Pai”, mas que tipo de messianismo, entre tantas expectativas, ele deveria assumir.

No relato do evangelho é possível perceber um esquema piramidal nas tentações apresentadas pelo demônio: privilégio, poder e a posse por riquezas.

A primeira ponta desta ideologia/esquema piramidal é a tentação do privilégio.

“Jesus jejuou durante quarenta dias e noites”. É natural que Ele estivesse com fome e fragilizado (tonturas, diminuição de batimentos cardíacos, cala frios, perde de coordenação motora, talvez algum dano cognitivo…), nessa condição era muito propício cair na tentação quando o diabo lhe provoca a transformar pedra em pão, afinal ele é tem o poder e o privilégio de ser o Filho de Deus. Ele é santo (קָדוֹשׁ /Kadosh) significa ser distinto, diferente, tem o poder ao seu dispor sempre. Mas aqui reside a identidade messiânica de Jesus. Paulo diz: “Ele mesmo em condição divina, renunciou ao direito de ser tratado como Deus. Esvaziou-se e tornou-se servo” (Fl 2, 6-7a) .

Mesmo fragilizado, Jesus não se deixa levar pela tentação de uma solução fácil: “Não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus”. Jesus não se aproveita de sua condição de Filho de Deus para ter privilégios, enquanto que muitas pessoas sofrem para ter condições de vida digna. É o seu senso de justiça.

Se colocando na condição humana, assumindo o projeto de salvação o Jovem de Nazaré cultiva dentro de si (na verdade sobre si) a utopia de um novo céu e uma nova terra: comida, segurança, moradia, saúde, educação, lazer, etc. para todas as pessoas, sem excluir ninguém e sem  a velha meritocracia. É a vida em sua plenitude anunciada em Jesus!

Talvez por isso que muitos não admitam que o evangelho seja um convite a JUSTIÇA SOCIAL. Muitos vivem numa espiritualidade tão abstrata, cheia de ambição, ávidos por privilégios que não gostam de uma igreja profética, mas amam uma instituição classicista, abstrata, intimista e burguesa. A  profecia totalmente é ignorada (cf 1Ts , 20).

Quantas vezes o ingresso na vida eterna ou a vida sacramental foram interpretados assim: “para pessoas e castas privilegiadas”. E Jesus em suas catequeses sobre o Reino de Deus (cf Mt 5, 1-12) desmonta esse discurso. Nesse esquema de privilégios há pessoas tão distintas entre nós que sempre dizem às outras: “você sabe com quem está falando?”.

A segunda ponta desta ideologia/esquema piramidal é a tentação do poder.

Em Mateus 4, 5, o tentador coloca-o na parte mais alta do templo e pede para que Jesus se jogue, criando um verdadeiro espetáculo da fé. Jesus não cede a provocação e responde conforme as escrituras: “Não tentarás ao Senhor teu Deus.”

Agindo assim, Jesus deixa claro que não usará seu poder para manipular nem o templo e nem as pessoas. A casa de Deus não é lugar de privilégios (“os meus”/ “os mais ungidos” / “os mais nobres” (cf. Tg 2, 2) e nenhuma sombra de carreirismos, pois o Seu poder está no serviço a quem precisa de  cuidados e de um acolhimento maior para garantir vida digna.

A terceira ponta desta ideologia/esquema piramidal é tentação da posse e riqueza.

Em Mateus 4, 8, o diabo leva Jesus para um monte muito alto e lhe mostra todos os reinos do mundo e suas riquezas. É encantador. Tudo é oferecido a Jesus. Em troca, ele deveria se curvar ao diabo. É a tentação da idolatria por excelência: adoração a satanás. Jesus responde fazendo memória das escrituras: “Vai-te satanás, porque está escrito: ‘Ao Senhor teu Deus adorarás e só a ele prestarás culto’”. Jesus vence a ideologia tentadora do querer tudo para sido domínio sobre as coisas e as pessoas (cf. Gn 3, 1-24. Ef 1, 21. 6, 12).

“Poder é a possibilidade que alguém tem de impor sua vontade sobre outras pessoas” (Max Weber) é ao mesmo tempo roubar a liberdade e esvaziar ou anular o outro. É curioso que Jesus não cede a nenhuma dessas tentações, nem a riqueza, ostentação e nem ao poder. Ele enfrenta essa proposta de sedução ofertada pelo tentador.

A “teologia da retribuição”, tão presente nos ensinamentos oficiais dos doutores da Lei, legitimava a riqueza e o bem-estar físico como bênçãos divinas, mas Jesus a rejeitou e mostrou que seu poder não está na riqueza ou no controle que ele poderia exercer sobre as pessoas, mas no pão partilhadona vida doadana generosidade, na amizade que garante vida e vida plena para todas as pessoas.

Em momento algum o Pai prometeu ao filho facilidades. Desconfiemos também nós das coisas muito fáceis. As dificuldades e as seduções irão aparecer, mas assim como Jesus, podemos vencê-las por meio da fé, da oração e da memória daqueles e daquelas que nos antecederam e que permaneceram firmes na construção do Reino de Deus, em sua dimensão mais profunda que é a justiça, a vida plena e a dignidade humana.

É justo e digno que cada pessoa tenha seus sonhos, que trabalhe para realizá-los. É bom que tenhamos uma justiça não só punitiva, mas que favoreça a vida plena das pessoas.

Como é bom ver alguém realizado na vida em seus empreendimentos. Um dia um jovem pedinte, apontando para a sua residência próxima ao Instituto dos Cegos, me disse: ”meu sonho é tirar minha mãe da condição que ela vive hoje e dá uma boa condição de vida”. Esse é um dos bem-aventurados do Reino de Deus, pois ele não está pensando só nele, mas no bem de muitos outros. Há muitas pessoas que desejam um vida melhor e isso é justo.

Todos têm o direito de ser feliz, de ter vida digna, quem não sonha não tem esperança dentro de si (ai daqueles que roubam ou debocham do sonho dos outros), mas cuidado com a ambição, esse é um caminho destrutivo e não é o caminho do Reino de Deus.

Boa semana!


Fonte: Paraibaonline

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