segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Padre Edjamir Sousa Silva: “Se a vossa justiça não for maior” (Mt 5, 17)

 


A liturgia da Palavra destes últimos domingos nos colocou dentro da dinâmica da justiça do Reino de Deus: ser luz no espírito das bem-aventuranças (cf. Mt 5, 1-12. 13-16).

A temática da justiça presente nos textos do Profeta Isaías e no Evangelho de Mateus (nestes últimos dias) nos ensinou uma interpretação segura do que significa “fome e sede de justiça” (Mt 5, 6), para hoje poder entender melhor o que é ”uma justiça maior” (cf. Mt 5, 20).

A comunidade cristã, a quem Mateus se dirige, se pergunta se a lei de Moisés continua sendo uma obrigação para todos? A resposta do evangelho representa a passagem do legalismo para uma vivência mais madura da espiritualidade da Lei. A preocupação era buscar uma forma mais perfeita de amar inspirado no próprio Deus que, em Jesus, nos revelou quem Ele é (Jo 12, 45).

Essa nova exegese ensinada por Jesus e propagada pelos seus discípulos causou admiração e inspirou um movimento novo (cristianismo), mas também gerou duros conflitos com cristãos sendo expulsos das sinagogas, perseguidos, insultados, acusados de blasfêmia, de desordem social e martirizados por causa da sua fé.

Lucas relata que desde muito cedo (cf. Lc 2, 39-52) o Jovem de Nazaré participava de debates acerca da interpretação dos preceitos judaicos como muitos judeus de sua época: “o que está escrito na Lei, Como você interpreta?”, perguntou Jesus a um Doutor da Lei a cerca de sua interpretação sobre a salvação (cf. Lc 10, 26).

Era preciso recuperar a intenção dada por Deus, mas isso não foi uma tarefa fácil para Jesus. Na época Dele muitos falavam em Nome de Deus a partir das escrituras: os escribas, doutores da lei, fariseus e, curiosamente, até mesmo o diabo usou as escrituras, dando sua interpretação: a falsa identidade de messias puramente milagreiro (cf. Mt 4, 3), a tentação de usar do poder em função de si (v. 6) e prostrar-se ao demônio curvando-se ao desejo dos reinos e glorias mundanas (v. 8-9). Era uma época difícil em que as pessoas já nem sabiam o que era mais importante da Lei (cf. Mt 22, 36).

A divergência se dava exatamente no campo da interpretação (cf. Mt 5, 17-18). Como enviado do Pai, Jesus tem autoridade de fazer a exegese original e o poder de atualizar (autoridade rejeitada por muitos): “ouvistes o que foi dito aos antigos, eu, porém, vos digo” (cf. Mt 5, 21. 27. 33. 38. 43). A lei é necessária, mas muito mais necessária é a sua real compreensão e a sua vivência, voltada não para lei em si (legalismo).

Na opinião de alguns fariseus, Jesus estava acabando com a lei, com as tradições e com os profetas. Mas era exatamente ao contrário. Ele estava levando o judaísmo ao núcleo da interpretação: ‘a vida para todos’ (cf. Jo 10, 10). A Tradição (com letra Maiúscula “T”) é o que o Pai mandou dizer: “não falo por mim mesmo, mas o Pai que me enviou e me mandou dizer” (Jo 12, 49).

Jesus sabia que as pessoas estavam enraizadas nesse “ouvistes o que foi dito”, pois nesse senso religioso, social, politico e cultural elas procuram atracar suas vidas para se sentirem mais seguras. Elas têm dificuldades de ir além e medo de dar esse passo à frente “se a vossa justiça não for maior” (Mt 5, 17), pois dar um passo à frente significa renunciar certos conceitos morais, isso “parece ser o fim dos tempos”. Elas trazem esse discurso para dentro da religião, da família, da sociedade para sufocar as novas possibilidades.

O LEGALISMO impõe fardos pesados e impede o fragor do viver em plenitude e na liberdade (cf. Mc 1, 12-13. Lc 4, 1-13. Mt 4, 1-11. 23, 1-39). Sua ideologia é eliminar radicalmente o que é dito e “não está escrito” (cf. Jo 5, 39). Ser fiel não é ancorar. A fé move. É muito mais viver na liberdade do Espirito do que na “ortodoxia”.

No contexto da comunidade de Mateus o “sim seja sim e o não seja não” não é um convite a uma altiva intransigência, mas a não estar indeciso entre viver os ensinamentos do amor/misericordioso de Jesus ou retornar as tradições (evangelho x legalismo). Seja sim a tua adesão ao evangelho. Seja não ao anacronismo.

A “justiça maior” está na grande interpretação dada por Jesus, no quinto mandamento: “Não matarás”. O seguidor de Jesus é convidado a tirar de dentro de si tudo àquilo que, de uma forma ou de outra, leva a morte de si, dos outros e da casa comum: egoísmo, arrogância, ódio, a vingança, exploração, toda espécie de preconceito, etc. O profeta Isaias já nos ensinava: “não despreses (…) deixa de tua mania de manipular e oprimir, autoritário, língua maldosa (…)” (Is 58, 7-10).

A “justiça maior” está baseada no respeito. Fazer do irmão um “imbecil”, “tolo”, “idiota” ou “alguém manipulável”, tirando proveito dele, é pecado. Se o respeito ao outro não é um movimento pleno dentro de nós, imagina como será a convivência com os outros, inclusive na vida matrimonial? Se há algo que nos impede de viver a exegese do respeito humano: “ARRANCA-O!”

Hoje é possível perceber muitas formas de interpretar o cristianismo, alguns preferem viver arraigados a uma ortodoxia (olhando sempre para traz ou mantendo-se literal: “está escrito no catecismo…”), outros preferem uma consciência cristã identificada com a ideologia capitalista-neoliberal (que associa o “está escrito” com a retribuição com riquezas e vida individualmente feliz por ser fiel à moral/letra), outros compreendem e se identificam com um cristianismo libertador (buscando uma releitura da sociedade, na luta pela superação das injustiças dentro e fora das instituições: família, politica, religião, sociedade…etc). A escolha que cada uma faz fala muito de sua fé, da forma como ela entende e interpreta. Qual a sua? Ela é a mesma de Jesus?

Boa semana para todos!


Fonte: Paraibaonline

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