segunda-feira, 20 de março de 2023

Padre Edjamir Sousa Silva: O legalismo cega, mas a compaixão salva!

 


Tendo saído do templo de Jerusalém, onde celebrou a festa das Cabanas (de Sucot), festa outonal na qual se invocava a água como dom de Deus para a vida plena, Jesus vê junto à piscina de Siloé um homem acometido de cegueira desde o seu nascimento.

Como em tantos outros relatos é Jesus quem tem a iniciativa. Jesus vê, tem compaixão e toma atitude. A cena nos lembra das ações de Deus ao longo da historia: “vi a dor de meu povo” (Ex. 3, 7). A compaixão é a fraqueza de Deus, mas também sua força.

Os saduceus e fariseus interpretavam que um defeito físico ou uma doença eram sinais da maldição de Deus sobre a pessoa. Os discípulos que estão com Jesus também veem esse cego, com esse mesmo olhar doutrinal que liga automaticamente a doença ao pecado; não sabem ver acima de tudo o sofrimento de uma pessoa, por isso tentam espionar seu pecado: “Mestre, quem pecou para que nascesse cego: ele ou os seus pais”.

Jesus corrigiu os discípulos. Não existe pecado na pessoa: “Nem ele, nem os pais pecaram”. O Mestre rejeita este olhar e, com uma reação de compaixão muito humana, aproxima-se do cego e começa a agir para suprimir o mal e fazer a vida triunfar.

O Filho de Deus, que não vê o pecado, mas sim o sofrimento e o grito de ajuda, declara que aquela doença é ocasião para a manifestação de Deus que pode intervir e salvar. Seu olhar é oposto ao olhar de recriminações e punições, é um olhar que expressa um interesse pelo que o outro sente, tem compaixão e age conforme o desejo de Deus. Entre Jesus e o ser humano não existe uma lei, mas um coração cheio de misericórdia.

Enquanto que para muitos a doença era sinal da ausência de Deus, para Jesus vai ser sinal da sua presença luminosa: “Enquanto estou no mundo, sou a luz do mundo.” A resposta de Jesus dar-nos a entender que é preciso mudar esta mentalidade de maldição geracional, crescer e amadurecer na fé.

João comenta que Siloé significa enviado. Jesus é o Enviado as obras e os sinais do Pai. O sinal deste “envio” é que o cego começou a enxergar. E, tal como Deus criara o ser humano a partir do barro, Jesus vem recriar as pessoas. Nele, somos novas criaturas (2Cor 5,17).

O que Jesus fez não foi um gesto de magia, nem segue rituais litúrgicos, mas sim um gesto muito humano: o homem cego se sente tocado por Jesussente que pode pôr sua confiança em quem o “viu” e o reconheceu como uma pessoa necessitada.

Há fortes contrastes no evangelho deste domingo (João 9, 1-41). De um lado estão os fariseus que acreditam que sabem tudo. Impõem a interpretação religiosa do fato (como verdade de fé), chegando a expulsar da sinagoga o pobre cego e acusando Jesus (o homem que o havia curado) era um pecador que infringiu a lei, curando num dia de sábado.

As autoridades religiosas estavam cegas pelo legalismo: “Ele não é de Deus, porque não observou o sábado!”. Não aceitavam que Jesus fosse um sinal de Deus por fazer tal coisa num dia de sábado: “Como é que alguém, sendo pecador, pode realizar tais sinais?” Há uma forte resistência e oposição aos ensinamentos de Jesus que sempre disse que a vida estava acima de qualquer preceito, mesmo fosse religioso. Porém, é dentro dessa oposição que aquele homem avançou no seu testemunho. Agora, para ele, Jesus “é um Profeta!”. O cego chamava Jesus de profeta. Os fariseus, de pecador.

Os fariseus achavam que aquilo fosse uma fraude montada. Por isso, mandaram chamar os pais e perguntam: “Este é o filho de vocês? Ele nasceu cego? Se nasceu cego, como é que agora enxerga?” Com cautela, os pais responderam: “É nosso filho e ele nasceu cego! Como agora enxerga não sabemos, nem sabemos quem o fez enxergar. Vocês interroguem a ele. Ele tem idade!”

A cegueira dos fariseus gerava medo no povo. Com os cargos e seus títulos eles gostavam de representar ameaças ao povo. Quem fizesse a profissão de fé em Jesus como Messias seria expulso da sinagoga.

Então, chamaram de novo o cego e disseram: “Dá glória a Deus! Sabemos que este homem é um pecador!” Dar glória a Deus significava: “Peça perdão pela mentira que você nos pregou!”.

De novo, os fariseus perguntaram: “O que ele fez? Como abriu seus olhos?” O cego respondeu com ironia: “Eu já disse a vocês! Vocês também querem tornar-se discípulos dele?” Responderam: “Você, sim, é discípulo dele. Nós somos discípulos de Moisés! Sabemos que Deus falou a Moisés. Mas esse Jesus, nós não sabemos de onde é!” Com fina ironia, o cego disse: “Espantoso! Vocês não sabem de onde ele é, e ele me abriu os olhos! Se este homem não viesse de Deus, não seria capaz de fazer um sinal desses!”

A luz da fé cresceu dentro do cego. Ele rompeu com a velha observância da Lei de Moisés, afirmando que quem lhe abriu os olhos só pode ser alguém que veio de Deus. Esta profissão de fé resultou em sua expulsão da sinagoga.

Assim acontecia também no fim do século I. Quem quisesse professar sua fé em Jesus tinha de romper laços familiares e comunitários. Assim acontece até hoje. Quem decide ser fiel a Jesus corre o perigo de tornar-se um excluído em sua própria família e vizinhança.

A psicanalista Melanie Klein certa vez disse que “quem come do fruto do conhecimento, é sempre expulso de algum paraíso”. Porém, Jesus não abandona quem por causa dele é perseguido. Quando soube da expulsão, procurou o homem e o ajudou a dar mais um passo, convidando-o a assumir sua fé.

“Quem é, Senhor, para que eu creia nele?” Jesus respondeu: “Você está olhando para ele. Sou eu que estou falando com você!” O cego exclamou: ‘Creio, Senhor!’. E prostrou-se diante de Jesus”. Confiar em Jesus é o máximo da maturidade da fé.

Os fariseus, que pensavam enxergar corretamente, são mais cegos que o cego de nascimento. Presos à velha observância, eles mentem quando dizem que veem. O cego, que não enxergava, acaba enxergando melhor que os fariseus.

Acolher a luz, para os cristãos, é acolher Jesus. Acolher Jesus, nossa luz, é despertar para ver o que muitas vezes não conseguimos ver, ou não nos deixam ver, ou até mesmo não queremos ver.

 Fonte: Paraibaonline

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