A
história da humanidade está profundamente marcada pela violência. A Liturgia da Palavra nestes dias nos levou ao
Livro do Gênesis quando, diante de um relato de violência, Deus perguntava:
“onde está o teu irmão? (...). O sangue do teu irmão clama por mim” (Gn 4, 10).
A
narrativa bíblica da história da salvação, desde o Gênesis, traz inúmeros história
de violência na cultura do povo de Deus que é fruto da mentalidade do “olho por
olho, dente por dente” (cf. Ex 21, 24/ Lei do Talião). Mas, a pesar de tantas
histórias, não mudamos essa lógica.
Na 1ª Leitura (1Sm
26,1.7-9.12-13.22-23) encontramos
uma emboscada contra Saul: “Deus entregou hoje em tuas mãos, o teu inimigo.
Posso cravá-lo em terra com uma só lançada, sem precisar repetir”. O militar
Absai, aproveitando as vantagens que tem no uso do poder, quer matar Saul,
pessoa que ele considera oposição. Assim, são os que usam o poder de forma
errada. Observem que Absai ainda coloca Deus no meio de uma rixa. Na sua
concepção, Deus permite arapucas para que a vingança seja cumprida até morte. A
HISTÓRIA SEMPRE SE REPETE.
Davi
recruta, dizendo: “não o mates, pois quem poderia erguer a mão contra um ungido
do Senhor e ficar impune (...). o Senhor retribuirá cada um segundo a sua
fidelidade”.
A
cena põe em evidência que Davi poderia matar Saul, mas ele não age segundo a
maldade de seu oponente. A maldade do outro não molda os sentimentos de Davi.
Cada um dá o que tem dentro de si: uns o ódio e a violência, outros a
misericórdia e a paz.
Davi
age como um ungido de Deus, pois esse teve os mesmos sentimentos Do Senhor descritos
pelo salmista: “O Senhor é compassivo e clemente, lento para a ira e rico em
misericórdia. Ele não age conosco seguindo as nossas iniquidades” (Sl 11(12), 2-3. 4-5. 7-8a). DEUS É TODO
AMOR.
Na 2ª Leitura (1Cor 15, 45-49), o assunto neste capítulo é a ressurreição. O
primeiro homem (Adão) é um ser vivente (cf. Gn 2,7) o último Adão/Adão
escatológico (Cristo) é o Espírito que dá a vida. Ele não só tem vida, mas
também dá a vida. Ele participa do ser de Deus que dá a vida.
O
homem animal (apenas dimensão humana) é chamado a ser o homem pneumático (que
tem o sopro de Deus) para dar vida. O primeiro (Adão) era terrestre; o segundo
(Jesus) vem do céu. Antes de Cristo tínhamos a marca do homem terrestre; agora,
em Cristo, temos a marca do celeste. Há uma existência ressuscitada em nós onde
o novo Adão nos inaugura ao Reino Celeste.
E
como saber se somos um novo Adão (Homem celeste)? Vamos ao evangelho de
hoje....
No evangelho de hoje (Lc 6, 27-38). Depois do
discurso das Bem Aventuranças, que ouvimos semana passada, onde Jesus “exalta
os que sofrem”, mas chama a atenção os que fazem o mau: “ai de vós os ricos” (Lc
6, 24s) e os que aplaudem estes, como “aplaudiram os falsos profetas” (v.26),
Jesus continua seus ensinamentos: “A vós, porém que me ouvis, eu vos digo”. (Lc
6, 27s).
Escutemos
a exortação: “Amai os vossos
inimigos e fazei o bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam e
orai por aqueles que vos
caluniam”. São quatro imperativos. Não basta só não pagar o mau com o mau, mas ter atitudes proativas indo para a
escuridão com lâmpadas nas mãos.
A
exortação “dar a face” só pode ser compreendida dentro de um contexto mais
amplo, onde uma pessoa que tem um coração tamanho de bondade que não permite
ser vencida pela mesquinhez, agressividade, maldade do outro, A bondade
desmonta o agressor. A maldade só se afirma no meio de pessoas que se alimentam
do ódio.
“O
que quereis que os outros vos faça, fazei vós também” (cf. Lc 6, 31. Mt 7, 12).
O justo torna o critério justo. Não é que para mim deve ser dada a misericórdia
e ao outro a justiça punitiva.
Há
outra sequência de ensinamentos de Jesus que diz: “se você ama só aquele que
vos ama, que gratuidade terá? Assim, também fazem os pecadores”. Jesus nos pede
para agir com gratuidade. Para nós isso é gigante, é necessário um transplante
de coração. Só um coração novo entende Jesus. Dispensar esses ensinamentos é
dispensar o caminho de Jesus. A grande recompensa é ser filho do
Altíssimo.
Parece ser um feixe pesado que Jesus esteja a pedir que
carreguemos, não é mesmo? Parece que Jesus está a pedir aos seus discípulos que
assumam uma atitude passiva que colabore com todo o tipo de injustiça e a
opressão? Claro que não. Mas está a ensinar que, quando confrontados com a
maldade, não devem apenas evitar responder na mesma moeda, mas devem também
fazer tudo o que estiver ao seu alcance para inverter a espiral de ódio e
violência que destrói as relações e o próprio tecido social.
A
gente aprende de Jesus que um coração generoso sinaliza o quando há de coisa
bem resolvida dentro dele: Graça e paz. Isso é tão genuíno que é o novo do
evangelho. O cristão deve imitar a Deus no relacionamento com os outros. A força criativa do amor põe em movimento os
grandes dinamismos de nossa vida. Só Deus pode, em sua misericórdia, liberar em
nós as melhores possibilidades, riquezas escondidas, capacidades e fazer-nos
descobrir o que há de melhor dentro de nós.
O
texto termina dizendo: “Não julgueis e não sereis julgados, não condeneis e não
sereis condenados”. Essa recompensa não vem dos homens, mas de Deus. Só ele tem
todos os elementos de cada pessoa para poder compreender porque a pessoa é
assim.
Às
vezes, pessoas feridas assumem um posto liderança e acabam massificando todo um
contexto social dentro de uma perspectiva de ódio e vingança. Alguns até como o
general Absai (1ª leitura) usam o nome de Deus para cometer crimes em vista de
se perpetuar no poder. Lembre-se que “com a mesma medida com que medirdes serás
medido”.
O
século XXI continua a alimentar conflitos e guerras desumanas, numa espiral de
violência e ódio que passa de geração em geração que parece não ter fim. Ainda
mais, paira sobre o mundo o espectro de uma guerra nuclear com novas e antigas
motivações: política, economia, religião, domínio.
Muitos
que desejaram ver e colaboraram para uma sociedade mais humana, hoje estão
repetindo a canção: “Minha dor é perceber que a pesar de termos feito tudo o
que fizemos, ainda somos os mesmos como nossos pais” (Elis Regina, Como nossos
pais). Outros, diante destes velhos problemas, parecem não ter compromisso com
o novo, pois ainda acreditam que a violência é o caminho para fazer nascer um
mundo mais justo.
Não
esqueçamos que nossa vida está enraizada em Cristo (Novo Adão): “A ninguém
paguei o mau com o mau.
Empenhai
fazer o bem para de todos. Na medida do possível vivam em paz com todos (...).
Pelo contrário, se teu inimigo estiver com fome, dai-lhe de comer; se estiver
com sede, dai-lhe de beber. Assim, estarás amontoando brasas sobre a cabeça dele”
(Rm 12,17-20). Dê a chance do outro pensar em fazer o bem. Vença o mal fazendo
o bem.
Graça e paz.
Edjamir Silva Souza
Padre e Psicólogo
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